ENTRE EM CONTATO:

igrejaluterana@gmail.com

Deixe seu comentário: sugira, opine, participe!
Se algum post lhe ofende ou viola seus direitos autorais entre em contato.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

OS TEMPOS DO FIM - UM ESTUDO PROFUNDO SOBRE A DOUTRINA DAS ÚLTIMAS COISAS

RELATÓRIO DA COMISSÃO DE TEOLOGIA E RELAÇÕES ECLESIAIS DA LUTHERAN CHURCH - MISSOURI SYNOD SETEMBRO DE 1989

TRADUZIDO POR GERSON LUIS LINDEN


INTRODUÇÃO

As duas últimas décadas de nosso século testemunharam um interesse crescente em vários aspectos da profecia bíblica. O sociólogo William Martin, da Universidade Rice, observou que “a História Judaico-cristã tem testemunhado numerosas efervescências de interesse em profecia bíblica, normalmente em tempos de agitação social, mas poucas, se porventura alguma, têm sido tão propagadas e influentes como a que está florescendo em círculos protestantes conservadores”.
A percepção pública de tópicos relacionados aos tempos do fim, como o milênio, o arrebatamento e Armagedom tem sido aguçada através da pregação de tele-evangelistas e a publicação de livros muito lidos, tais como aqueles escritos por Hal Lindsay. Poucas pessoas poderiam imaginar que um livro que começa com as palavras “Este é um livro sobre profecia - profecia bíblica” venderia 15 milhões de cópias e que seu autor seria considerado pela New York Times como o autor com maior venda na década de 70!
Estes fatos, no entanto, têm causado grande preocupação em muitos cristãos, que consideram alguns dos atuais ensinos populares sobre os tempos do fim como sendo altamente especulativos e mesmo contrários às Escrituras e, portanto, prejudiciais à fé. No que tange aos pressupostos teológicos, questões sérias têm sido levantadas quanto aos princípios de interpretação bíblica (Hermenêutica) empregada por escritores milenistas na sua abordagem e exposição de textos bíblicos, especialmente naqueles livros normalmente denominados apocalípticos (Daniel, Ezequiel, Apocalipse). Além disso, a ausência de uma leitura destes textos no contexto de tudo o que as Escrituras ensinam sobre as últimas coisas tem trazido confusão e dúvidas no que tange ao conteúdo da esperança cristã. A deficiência - e, mais freqüentemente, a ausência - da teologia sacramental e do ensino dos meios da graça em geral na pregação milenista são especialmente evidentes para os que estão familiarizados com a doutrina confessional luterana. Igualmente preocupante é a falha dos pregadores e escritores milenistas em distinguir propriamente entre Lei e Evangelho.
No contexto de tais preocupações e em resposta a uma solicitação específica da Convenção de 1983 da “The Lutheran Church-Missouri Synod,” de que a Comissão de Teologia e Relações Eclesiais (CTRE) “preparasse um estudo sobre os tempos do fim (escatologia), incluindo milenismo, para orientação da Igreja”, a CTRE preparou este relatório sobre Escatologia e milenismo. Na primeira parte deste estudo, a Comissão apresenta um pequeno sumário sobre as quatro posições atuais sobre o “milênio”. Na segunda parte discute princípios hermenêuticos pertinentes, a doutrina da escatologia e alguns textos-chave que formam a base para o ensino milenista. A terceira parte do documento apresenta uma avaliação resumida do pré-milenismo dispensacional.

I. POSIÇÕES MILENISTAS ATUAIS

Apesar de que existem diversas variações no ensino milenista atual, uma divisão em quatro categorias tem sido amplamente aceita: (1) Pré-milenismo dispensacional; (2) pré-milenismo histórico; (3) pós-milenismo; (4) amilenismo. Das três primeiras categorias, todas sustentando a existência de um milênio, uma era utópica sobre a terra, a posição mais aceita é a do pré-milenismo dispensacional. No interesse de limitar a discussão que segue a proporções manejáveis e de procurar auxiliar os membros do Sínodo em sua avaliação deste ensino, a Comissão decidiu enfatizar o estudo desta posição pré-milenista mais conhecida e prevalecente. Antes de proceder com um exame mais detalhado dos vários elementos da doutrina milenista, oferecemos o seguinte sumário das categorias mencionadas acima.

A. Pré-milenismo Dispensacional

O pré-milenismo dispensacional, ou simplesmente dispensacionalismo, é um sistema teológico com origens entre os Irmãos Livres de Plymouth, na Irlanda e Inglaterra, no início do século XIX. O originador do sistema é John Nelson Darby (1800-82), um dos principais fundadores do movimento dos Irmãos Livres de Plymouth. O dispensacionalismo nasceu como uma reação contra a Igreja da Inglaterra e a amplamente aceita posição pós-milenista (ver parte C, abaixo).
Os ensinos do pré-milenismo dispensacional sobre profecia se espalharam amplamente no Canadá e nos Estados Unidos, especialmente devido à influência da Scofield Reference Bible, de 1909 e suas edições subseqüentes. Hoje em dia, o dispensacionalismo é sem dúvida a mais proeminente forma de milenismo. É oficialmente ensinado no Moody Biblical Institute (Chicago), no Dallas Theological Seminary e em cerca de duzentos Institutos bíblicos nos E.U.A. Ele tem sido promovido por tele-evangelistas como Jerry Falwell, Pat Robertson, Kenneth Kopeland e Jack Van Impe, por ministérios independentes, como o “Lamb and Lion” e “Word Profecy Ministry” e em dezenas de livros. Entre os mais conhecidos está o The Late Great Planet Earth, de Hal Lindsay, que deu origem a um filme.
Os dispensacionalistas normalmente dividem a atuação de Deus com a humanidade em sete “dispensações” distintas: Inocência (Gn 1.28-3.6), Consciência ou Responsabilidade Moral (Gn 4.1-8.14), Governo Humano (Gn 8.15-11.32), Promessa (Gn 12.1 - Ex 18.27), a Lei (Ex 19.3 - At 1.26), a Igreja (At 2.1 - Ap 19) e o Reino milenial (Ap 20). Uma dispensação é definida como “um período de tempo durante o qual o homem é testado com respeito a sua obediência a alguma revelação específica da vontade de Deus.” Em cada um destes períodos uma revelação distinta de Deus é dominante e testa a obediência da humanidade a Deus.
Quais, então, são os elementos principais da escatologia dispensacionalista? O Antigo Testamento, se ensina, promete ao povo judeu um reino terreno, governado pelo Messias. Quando Cristo veio, ele ofereceu este reino aos judeus. Os judeus daquela época, no entanto, rejeitaram-no e ao reino. Este reino, então, foi adiado até algum ponto no futuro. Enquanto isso, Cristo introduziu a "forma de mistério" do reino (Mateus 13) e estabeleceu a Igreja. Este “parênteses” do programa de Deus terminará no “arrebatamento”, quando todos os crentes, excluindo os santos do Antigo Testamento, irão para o céu para celebrar com Cristo “as bodas do Cordeiro” por sete anos. Então o propósito prometido por Deus para Israel será retomado. Durante este período de sete anos, vários eventos ocorrerão na terra (Ap 6-19):
1. Inicia a “tribulação”, cuja metade final é chamada de “grande tribulação”.
2. O anticristo começa seu reinado cruel e no meio dos sete anos ele proíbe o culto judeu no templo.
3. Julgamentos terríveis vêm sobre a terra.
4. Um remanescente de Israel (os 144.000 de Apocalipse 7) crê em Jesus como o Messias e prega o “Evangelho do Reino”.
5. Através de seu testemunho uma multidão de gentios é salva (Ap 7.9).
6. Perto do fim, várias batalhas militares acontecem, levando até o Batalha de Armagedom.

No final deste período de sete anos, os dispensacionalistas ensinam, Cristo (com a Igreja) volta em glória e destrói seus inimigos. A grande maioria dos israelitas será convertida. Satanás será amarrado por 1000 anos. Os crentes que morrerem durante a tribulação e os santos do Antigo Testamento ressuscitarão e se unirão à Igreja no céu. Cristo julgará os gentios vivos (Mt 25.31-46). Os “cabritos” serão lançados no inferno. As “ovelhas” e os judeus crentes ainda vivos entrarão no milênio com seus corpos naturais. Eles casarão, se reproduzirão e morrerão. (Os crentes ressuscitados viverão na Jerusalém celeste, que estará pairando sobre a Jerusalém terrena). O milênio será uma época áurea, um tempo de prosperidade e paz, com o culto centralizado no templo reconstruído. Apesar de que no início do milênio somente crentes viverão na terra, alguns de seus filhos e netos não crerão em Cristo. Estes descrentes serão reunidos por Satanás para uma última revolta (Ap 20.7-9). Perto do fim, todos os crentes mortos durante o milênio ressuscitarão. Depois do “pouco tempo” de Satanás, todos os mortos descrentes ressuscitarão e serão julgados (Ap 20.11-15). A fase final será então introduzida, durante cujo período continuará a distinção entre judeus e gentios.
Três pressupostos são críticos para o sistema dispensacionalista. Estas premissas básicas podem ser resumidas da seguinte maneira:

1. A Distinção entre Israel e a Igreja
De acordo com a posição dispensacionalista, Deus está, através das eras, buscando dois propósitos distintos: um relacionado a objetivos terrenos e a um povo terreno, o povo judeu; e o outro, relacionado a objetivos celestes e um povo celeste, a Igreja cristã. A Igreja não foi prevista no Antigo Testamento e, portanto, constitui-se num “parênteses” no plano predito por Deus para Israel. No futuro, a distinção entre judeus e gentios será reestabelecida e continuará por toda a eternidade.

2. O Cumprimento Literal da Profecia Bíblica
O Antigo Testamento - conforme argumentação dos escritores dispensacionalistas - contém muitas promessas de que Deus estabelecerá um reino terreno envolvendo Israel. Estas promessas serão cumpridas literalmente. A promessa principal para Abraão era de que seus descendentes físicos receberiam a terra de Canaã como possessão perpétua. A aliança davídica contém a promessa de que um descendente de Davi (o Messias) governaria sobre Israel para sempre do trono de Davi, isto é, de Jerusalém. A nova aliança de Jr 31.31-34, apesar de possuir aspectos que também se aplicam a crentes na presente “era da Igreja”, é essencialmente uma aliança para Israel. Muitas passagens nos Salmos e nos profetas são interpretadas significando que Israel será recolhido na terra de Canaã sob o governo perfeito do Messias. Estas promessas se cumprirão literalmente durante o reino milenar de Cristo. Semelhantemente, muito de Daniel e de Apocalipse espera por um cumprimento literal no milênio futuro.

3. A Manifestação da Glória de Deus como o Propósito da História
Apesar de os dispensacionalistas concordarem que os seres humanos são reconciliados por Deus pela graça somente, através da obra de Cristo na história, “o programa soteriológico, ou salvífico, de Deus não é o único propósito, mas um dos meios que Deus usa no programa global de glorificar a Si mesmo.” Assim, não é a salvação do homem, mas a manifestação da glória de Deus que constitui-se no principal tema e propósito mais amplo de Sua atividade na história humana em cada dispensação.

B. Pré-milenismo Histórico

Em contraste com o pré-milenismo dispensacional, aqueles que sustentam a posição pré-milenista histórica argumentam que o segundo advento de Cristo será um evento de um ato só, depois da tribulação. Seja neste tempo, ou antes, a vasta maioria dos judeus será convertida. Os crentes que morreram ressuscitarão, os que estiverem vivos serão transformados e todos os crentes encontrarão a Cristo nas alturas e então descerão com Ele para a Terra. Cristo então matará o Anticristo, prenderá Satanás e estabelecerá seu reino milenar sobre a terra. Cristo e Seus redimidos, tanto judeus como gentios em um só povo de Deus, reinarão visivelmente sobre as nações descrentes ainda na terra. Pessoas com corpos ressurretos e pessoas com corpos naturais viverão juntos sobre a terra. Pecado e morte ainda existirão, mas o mal externo será restringido. Os mil anos do reino milenar serão um tempo de justiça social, política e econômica e de grande prosperidade. Após estes 1000 anos Satanás será solto a fim de enganar as nações descrentes para fazerem um assalto final contra os redimidos. Satanás será destruído e a ressurreição dos descrentes mortos acontecerá. Então virá o julgamento de todos, tanto crentes como descrentes, e a eternidade.

C. Pós-milenismo

Em contraste com o que foi visto acima, a posição pós-milenista, a menos comum, coloca o segundo advento de Cristo após o milênio. Apenas então acontecerão o arrebatamento, a ressurreição geral, o julgamento geral e os estados eternos. O milênio não é entendido como sendo um reino visível de Cristo na forma de uma monarquia terrena, nem o período milenar é tomado literalmente como necessariamente de 1000 anos de duração. Nestes aspectos, o pós-milenismo corresponde muito proximamente à posição amilenista (ver abaixo).
Mas a posição pós-milenista de fato propõe um período milenar reconhecível, uma era áurea de prosperidade e paz entre todos, no fim da qual Cristo retornará. O milênio chegará gradualmente, sob a crescente influência do cristianismo, levando a uma redução universal do mal e a condições grandemente melhoradas nas esferas social, econômica, política e cultural. De fato, o mundo inteiro será, finalmente, cristianizado, ao ponto de que a crença e o sistema de valores cristãos tornar-se-ão a norma aceita por todas as nações. Mateus 28-18-20 tornar-se-á uma realidade.

D. Amilenismo

Uma escatologia que não ensina um reino terreno de Cristo de 1000 anos literais pode ser chamada “amilenista” (algumas vezes chamada "milenismo realizado" porque o período referido em Apocalipse 20 está agora em um processo de realização). Embora a exegese detalhada dos textos pertinentes pode variar entre cristãos amilenistas, aqueles que adotam esta posição concordam que os “mil anos” referidos em Apocalipse 20 é uma expressão figurada para o presente reino de Cristo, que começou com Sua ascensão ao céu e será manifesta plenamente na Sua segunda vinda. A segunda vinda de Cristo será um evento no qual Ele, nas palavras de Martinho Lutero, “me ressuscitará a mim e a todos os mortos e dará a mim e a todos os crentes em Cristo a vida eterna” (Explicação do Terceiro Artigo do Credo Apostólico). A escatologia apresentada nas Confissões Luteranas é claramente amilenista (CA XVII).

Excurso sobre o Adventismo do Sétimo Dia

O segundo advento de Cristo é central na escatologia Adventista. De acordo com o ensino Adventista, Cristo entrou no santo lugar do templo celestial na Sexta-feira santa e permaneceu lá por dezoito séculos, para apelar com Seu sangue pelos pecadores. Em 1844 (2300 “dias proféticos” ou anos após 457 a.C. - Dn 8.14), Cristo entrou no Santo dos Santos celestial para iniciar uma investigação da conduta dos crentes - um “julgamento investigativo”, que durará até Seu segundo advento. Quando as pessoas morrem elas deixam de existir, de corpo e alma, até esta segunda vinda. Pouco antes de Cristo retornar, aqueles que foram responsáveis por seu julgamento e crucificação (Ap 1.7) e os membros fiéis da denominação Adventista que morreram depois de 1844 (Ap 14.13) ressuscitarão para vê-lo vir. Na Sua volta, Cristo destruirá a besta, o falso profeta e os ímpios que fizeram guerra contra Deus e Seu povo em Armagedom (Ap 16.12-16; 19.11-21). Satanás terá os pecados do mundo colocados sobre ele, como um “bode emissário” e será enviado a um lugar desolado por mil anos (Ap 20.1-3). Ao mesmo tempo, todos os crentes que morreram antes de 1844 e todos os crentes não Adventistas que morreram depois de 1844 ressuscitarão (Ap 20.4-6). Todos os crentes que ainda vivem serão transformados, e ambos os grupos irão para o céu para reinar com Cristo por mil anos. Durante este período Cristo e os crentes governarão com o propósito de investigar a vida dos descrentes e determinar a quantidade de sofrimento que eles terão de experimentar. Depois do milênio os ímpios ressuscitarão, sofrerão em diversas medidas na terra e serão reunidos por Satanás para um assalto final à Jerusalém celeste que terá recém descido (Ap 20.7-9). Após isto Deus aniquilará Satanás, os anjos maus e todos os ímpios. Cristo e todos os crentes viverão, então, para sempre na nova Terra.


II. ESCATOLOGIA E MILENISMO

Uma avaliação detalhada para os argumentos de cada uma das posições resumidas acima está além do alcance deste estudo. A variedade de interpretações sobre os dados bíblicos dentro da escatologia milenista tornaria difícil uma tal abordagem e talvez de pouca ajuda. (Dentro do dispensacionalismo há, por exemplo, pré-tribulacionistas, pós-tribulacionistas, mesotribulacionistas e entre os mesotribulacionistas há os que sustentam uma “posição de arrebatamento parcial” e uma “posição pós-tribulacional imanente”). Assim sendo, a Comissão escolheu o que julgou serem as principais considerações que, de uma perspectiva luterana, devem estar em mente, por parte daqueles que procuram orientação com respeito aos “tempos do fim”. Especialmente importantes são os princípios de interpretação (Hermenêutica) usados no estudo dos livros proféticos e apocalípticos do Antigo e Novo Testamentos, dos quais o ensino milenista é largamente derivado. E, visto que o ensino milenista representa um sistema de interpretar e moldar todos os aspectos da escatologia, é também necessário rever doutrinas chaves sobre os tempos do fim e fazê-lo à luz das adaptações milenistas. Esta seção terminará com comentários específicos sobre alguns dos textos bíblicos que tiveram um papel determinante no desenvolvimento de algumas das posições populares do momento, com respeito aos tempos do fim.

A. Considerações Hermenêuticas

Ao abordar a escatologia bíblica, é especialmente importante que o leitor da Escritura leve em conta a natureza da literatura profética e apocalíptica. A maior parte dos profetas maiores e menores são escritos em poesia, com sua característica linguagem figurativa e pictórica. Por exemplo, Amós retrata as futuras bênçãos escatológicas para o povo de Deus, dizendo que “os montes destilarão mosto” (9.13). O profeta dificilmente estaria querendo dizer que os montes do Oriente Médio estariam um dia cobertos com vinho.
Linguagem simbólica deste tipo é especialmente comum na literatura apocalíptica, como Daniel e Apocalipse. Em Apocalipse, por exemplo, lemos sobre cavaleiros (capítulo 6), gafanhotos (cap. 9), bestas (cap. 13), Satanás acorrentado e jogado num poço sem fundo (cap. 20) e mais. Além disso, na literatura apocalíptica números são normalmente usados simbolicamente (os sete chifres e os sete olhos de Cristo [Ap 5.6], os 144.000 selados [Ap 7.2-8; 14.1-5], os 1000 anos de Apocalipse 20). Claramente este tipo de literatura não pretende estar falando literalmente, como se todo verso estivesse apresentando linguagem em prosa direta, como em um jornal. O objetivo do intérprete deve ser buscar o sentido pretendido ou literal do texto e fazê-lo reconhecendo que Deus, em alguns casos, escolheu trazer o significado através de simbolismo e figuras de linguagem (por exemplo, metonímia, metáfora e símile).

Segundo, certos textos são melhor interpretados de acordo com o que tem sido normalmente chamado de perspectiva abreviada. Eventos de um futuro próximo e outros, mais distantes, são freqüentemente encaixados em uma única descrição, assim como os picos das montanhas quando vistos à distância. Algumas vezes os profetas focalizaram um futuro imediato; em outras ocasiões, um futuro distante; entretanto, ambos são vistos ao mesmo tempo. A profecia de Joel, por exemplo, move-se rapidamente de uma situação imediata, a praga dos gafanhotos (1.2-2.27), para o futuro distante do Pentecostes (2.28-29) e para um futuro ainda mais distante, a segunda vinda de Cristo (2.30-3.21). Jesus também profetiza desta maneira. Em Mt 24.15-28 (cf. Mc 13.14-23 e Lc 21.20-24) Ele projeta em uma cena tanto o ano 70 A.D., quando os romanos destruíram Jerusalém, como a perseguição intensificada final contra a igreja antes de Sua segunda vinda. A profecia bíblica freqüentemente não nos mostra os séculos intermediários que estão como vales entre os pontos altos da história da salvação.

Terceiro, o intérprete precisa reconhecer o “colorido histórico do tempo” da mensagem profética. Metodologicamente, a primeira tarefa na interpretação é determinar o que o texto significou na sua situação histórica. Refletindo sobre a situação histórica na qual eles falaram, os profetas pregaram para uma situação de vida definida e apresentaram seu oráculos em termos que seus ouvintes originais podiam entender. Por exemplo, Obadias prediz que aqueles no monte Sião escaparão à ira de Deus (Obadias 17). O Novo Testamento indica que esta profecia é definitivamente realizada na promessa de que o povo de Deus (todos os crentes - a Igreja), será salvo (Hb 12.22). Entretanto, Obadias não diz “a Igreja cristã será salva”, simplesmente porque estas palavras não estavam em seu vocabulário nos tempos antes de Cristo.

Quarto, a profecia do Antigo Testamento, especialmente quando tratando de temas escatológicos, é freqüentemente de natureza típica ou tipológica. Um tipo é uma pessoa, uma instituição ou um evento que prefigura e prenuncia uma realidade nova e maior (o antítipo). O antítipo, tanto histórica como teologicamente, corresponde, elucida, cumpre e completa escatologicamente o tipo. O antítipo não é mera repetição do tipo, mas é sempre maior do que sua antecipação. E, visto que as Escrituras são cristológicas, os tipos do Antigo Testamento (que são assim mostrados pela Escritura) estão relacionados, centrados e cumpridos em Cristo e no Seu povo, a Igreja.
A história de Israel no Antigo Testamento freqüentemente contém esta confiança orientada para o futuro, uma confiança tipológica. Os profetas constantemente expressam sua esperança para o futuro em termos dos atos de Deus no passado, que serão repetidos, no entanto, numa escala universal e que excederá mais gloriosamente qualquer coisa experimentada no passado. Isaías prediz um novo e maior êxodo da escravidão (Is 11.15; 43.16-19; 51.10-11; 52), um novo e maior rei davídico (9.1-7; 11.1-10) e uma nova Jerusalém habitada por um novo povo (65.17-25). O êxodo do Egito prefigura a libertação da escravidão do pecado em Cristo (1 Co 5.6-8; 10.1-11; 1 Pe 1.13,18-19). Davi tipifica o Messias (Mt 2.23; Lc 1.26-33; At 2.25-31). E a Jerusalém do Antigo Testamento prenuncia a Jerusalém celeste (Gl 4.26,27; Hb 12.22; Apocalipse 21). Assim, insistir , por exemplo, que a Jerusalém no Antigo Testamento (Monte Sião de Obadias 17) refere-se à moderna cidade de Jerusalém no Oriente Médio é ignorar sua importância tipológica.
O relacionamento entre os dois Testamentos é similar àquele entre o botão e a flor completa. Nas palavras da antiga formulação de Santo Agostinho, “O Novo Testamento está latente no Antigo (o ‘botão’); o Antigo torna-se patente no Novo (a ‘flor’)”. Quando, pois, se estuda um oráculo profético, é apropriado e necessário que o leitor das Escrituras faça estas perguntas: O Novo Testamento o cita ou alude a ele? Como o Novo Testamento trata os temas e pontos teológicos do oráculo?
Quando isto é feito, o intérprete descobrirá que o cumprimento é maior que a predição, assim como o antítipo é maior do que o tipo. Não se pode simplesmente assumir que deve existir uma correspondência literalística em todos os detalhes entre a predição e o cumprimento. Por exemplo, Ez 34.23,24 e 37.24,25 prediz que Davi reinará sobre o Israel restaurado. Isaías 7.14 prediz que o nome do Messias será Emanuel. O Novo Testamento, no entanto, informa-nos que Jesus de Nazaré, um descendente de Davi, é, de fato, este Messias prometido. Sem o Novo Testamento alguém poderia ser levado a esperar um Davi ressurreto cujo verdadeiro nome seria Emanuel. De fato o cumprimento algumas vezes corresponde diretamente aos detalhes preditos. Miquéias 5.2 prediz que o Messias virá de Belém, um fato ao qual o cumprimento corresponde precisamente (Mt 2.1-6; Jo 7.42). Entretanto, é o Novo Testamento, e não alguma noção pré-concebida de literalismo consistente, que deve determinar de que maneira a predição é cumprida.
Estas observações pressupõem que, visto ser Deus o único Autor de toda a Escritura, existe uma unidade orgânica entre o Antigo e o Novo Testamentos, tanto com respeito ao seu conteúdo (a doutrina do Evangelho em todos os seus artigos), como à sua função de tornar as pessoas sábias para a salvação. O princípio hermenêutico de que a Escritura interpreta a Escritura necessariamente pressupõe esta unidade. Assim, podemos olhar para o Novo Testamento para clarificar o que as pessoas, instituições e eventos mencionados pelos profetas tipificam. Hans LaRondelle, em The Israel of God in Prophecy, coloca o assunto bem:
O Novo Testamento foi escrito como a norma última para o cumprimento e interpretação das profecias de Israel. Um cristão estaria negando sua fé cristã e seu Senhor se lesse o Antigo Testamento como uma entidade fechada, como uma mensagem completa e final de Deus para os judeus, sem considerar a cruz e a ressurreição de Jesus, o Messias, e à parte da explicação do Novo Testamento para os escritos hebreus.
Tudo isto é para mostrar que as próprias Escrituras, e não comentários sobre eventos atuais do século XX, devem dar a interpretação normativa para profecia do Antigo Testamento. Ezequiel 38-39 prediz que Gogue, da terra de Magogue, principal príncipe de Meseque e Tubal, junto com a Pérsia, Cushe, Pute, Gômer e Togarma farão guerra contra Israel. Dispensacionalistas freqüentemente identificam estes com países do século XX: Rússia (Meseque = Moscou, Tubal = Tobolske), Irã, Etiópia, Líbia (Pute), Alemanha (Gômer) e Sul da Rússia (Togarma), e dizem que estes países atacarão os modernos israelitas. O Novo Testamento, no entanto, interpreta estas referências tipologicamente, vendo estas nações inimigas do Israel do Antigo Testamento como ilustrando todo o mundo pagão, que é hostil para com a Igreja e que perseguirá intensamente a Igreja por um breve espaço de tempo antes do Dia do Julgamento (Ap 20.7-10).

Quinto, o intérprete da profecia do Antigo Testamento precisa ter especialmente em mente o foco cristológico da Escritura. Os profetas do Antigo Testamento eram tanto prenunciadores, como proclamadores. Eles eram pregadores da aliança, proclamando a Lei e o Evangelho para seus ouvintes originais. Mesmo suas predições escatológicas não foram dadas para prover pedaços de informação sem relação, nem para satisfazer a curiosidade sobre o futuro, mas para levar seus ouvintes ao arrependimento e fé. Portanto, o intérprete precisa relacionar toda profecia, incluindo profecia escatológica, à aliança, a Lei e Evangelho e, em última análise, a Cristo. O Antigo Testamento não pode ser tratado como uma entidade fechada em si mesma, sendo lido à parte de Cristo e do Novo Testamento. Isto significaria tratar o Antigo Testamento como um livro judeu, não cristão (cf. 2 Co 3.12-16). Insistir, por exemplo, com base em Ezequiel 40-46 que o templo de Jerusalém será reconstruído e que o sistema sacrificial será reinstituído é desconsiderar Cristo, que é o novo Templo (Mt 12.6; Jo 2.19-22; Ap 21.22) e o sacrifício totalmente suficiente (Hebreus 9-10, especialmente 10.18). A aliança mosaica, com seu sistema sacrificial, prefigura a nova aliança em Cristo (Jr 31.31-34; 1 Co 11.25; Hb 8.13). Agora que o antítipo veio, não se pode esperar o reestabelecimento do tipo (Cl 2.16,17; Hb 10.1).

Sexto, o Antigo Testamento prefigurou Cristo e Sua Igreja como o Novo Israel. Cristo é o Novo Israel, Israel reduzido a um. Ele recapitula e cumpre a história de Israel do Antigo Testamento, obedecendo a Deus perfeitamente onde Israel desobedeceu (Os 11.1; Mt 2.15; Dt 6.13,16; 8.2,3; Mt 4.1-11). “Os descendentes de Abraão falharam e o fardo de Israel em sua inteireza veio para Jesus, a quem Deus designou como Seu Israel, chamando-o do Egito, colocando sobre Ele os fardos do mundo e ressuscitando-o para a vida”. Cristo é a semente prometida de Abraão, em quem todas as nações da terra são abençoadas (Gn 12.3,7; Gl 3.8,14-16).

Visto que Cristo é o Novo Israel, todos os que nele crêem também se tornam o Novo Israel, descendentes de Abraão (Gl 3.29; 6.16; Rm 9.6-8,24-26; 4.16,17; Efésios 2; 1 Pe 2.9,10). Cristo começou a reconstituir Israel ao restaurar o remanescente fiel dos judeus (Mt 10.6; 15.24; Lc 24.47; At 1.8; 2.5-42; 3.25,26). Então Sua missão foi para os gentios, assim que também eles pudessem ser incorporados ao povo de Deus (Rm 11.17-24; Atos 10; 13.46-48; 15.14-18; Gl 3.14,27-29; Ef 2.11-22). Portanto a Igreja cristã é Israel restaurado, o herdeiro da promessa feita a Abraão (Gl 3.29).
O que foi dito nos parágrafos acima pode ser visualizado na seguinte maneira:

HUMANIDADE > ISRAEL > REMANESCENTE

CRISTO > NOVO REMANESCENTE > IGREJA > HUMANIDADE

Este diagrama ilustra o plano de Deus de trazer a criação caída para um relacionamento apropriado com Ele. Sua maneira de fazer isto envolveu um estreitamento, desde Abraão e todos os seus descendentes (Gn 12.1-3) ao remanescente pós-exílico (Ag 2.2; Zc 8.6; Ed 1-2), e daí até Cristo, o Israel reduzido a um. A partir de Cristo, o relacionamento se ampliou, através do remanescente fiel dos judeus até toda a Igreja de judeus e gentios crentes. A Igreja, no entanto, não é um fim em si mesma, mas recebeu a missão de fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.19,20).
Dever-se-iam ler as promessas proféticas de restauração de Israel (tais como Ezequiel 37; Os 1.8-11; Mq 4.1-5.9; Sf 3.11-20; Is 11.10-16; 60-61) à luz do exposto acima. Assim, apesar que estas promessas foram parcialmente cumpridas no retorno do cativeiro babilônico em 538 a.C., o cumprimento vem em Cristo, o Novo Israel, e, conseqüentemente, em Sua Igreja. O profeta Amós prevê que a dinastia davídica será reconstruída para incorporar o remanescente de Edom e de todas as nações (Am 9.11,12). De acordo com o apóstolo Tiago, esta profecia foi cumprida quando, através da pregação do evangelho, Deus chamou dentre os gentios um “povo para o Seu nome”(At 15.13-18). É, portanto, contrário à Escritura ensinar como doutrina bíblica a opinião de que o cumprimento das promessas da restauração de Israel se deram no estabelecimento do estado secular de Israel moderno em 1948 e/ou na tomada da velha Jerusalém pelos judeus em 1967.
Ligado a isso, uma diferença importante entre o Israel do Antigo Testamento e o Novo Israel deve ser notada. O Israel do Antigo Testamento era tanto Igreja como Estado, tanto uma assembléia espiritual de crentes como uma entidade política. Muitas das promessas do Antigo Testamento refletem este contexto teocrático de Israel do Antigo Testamento. O Novo Israel, no entanto, não é um Estado secular, nem mesmo em parte. Os aspectos políticos da existência de Israel no Antigo Testamento deixaram de existir no cumprimento. Isaías 9.7 profetiza que o Messias edificará Seu reino no trono de Davi (cf. 2 Sm 7.16; Sl 132.11,12). As palavras de Isaías foram cumpridas na ascensão do Messias crucificado e ressurreto e na Sua ida para a mão direita de Deus onde Ele agora graciosamente governa o Israel restaurado. Elas não serão cumpridas em algum “milênio” futuro, quando Cristo, de acordo com as predições milenistas, governaria na Jerusalém moderna (At 2.30-36; 13.32-37; 15.13-18; 28.26-28; Lc 1.32; 1 Co 15.25-27; Ef 1.20-23; Rm 15.12). Novamente, Is 19.23-25 profetiza que o Egito e a Assíria se unirão a Israel como povo de Deus. A inclusão de gentios crentes no Novo Israel, e não a Assíria e o Egito como tais (At 15.14,17; Gl 3.28; Rm 15.8-12), marca o cumprimento de Isaías 19.
Isto não quer dizer que o Antigo Testamento em toda a parte retrate o Messias e Seu reino dentro de uma moldura de referência política. Muitas das promessas messiânicas do Antigo Testamento não foram formuladas em termos políticos. Isaías 52.13-53.12 retrata um servo sofredor cuja missão é “justificar a muitos” carregando suas iniquidades como um sacrifício substitutivo. Ele traz salvação às nações (Is 49.6; 42.6,7). Da mesma forma o “um como o Filho do homem” vindo nas nuvens, em Dn 7.13,14, não é um rei terreno, político. De fato, o reino que Ele estabelece está claramente em contraste ao reinar temporal (cf. Dn 2.44). Em nenhum lugar o Novo Israel, sobre o qual o Messias governa, é representado como uma entidade secular, política. De fato, Jesus explicitamente rejeita a noção de que Seu ofício messiânico poderia ser concebido em termos políticos (Jo 18.36,37; cf. Lc 24.44-47).
A distinção entre o reino messiânico como uma realidade espiritual e o governo civil como uma realidade temporal, política, é mantida nos escritos confessionais luteranos. A Confissão de Augsburgo ensina que “toda autoridade no mundo e todos os governos e leis ordenados são ordenações boas” e, portanto, são uma forma de vida exterior e temporal (CA XVI, 1,4). O Evangelho, no entanto, ensina "uma interior e eterna vida e justiça do coração" (CA XVI, 4). “O reino de Cristo é espiritual, isto é, no coração o conhecimento de Deus, o temor de Deus e a fé, a justiça eterna e a principiante vida eterna” (Ap XVI, 2). Assim, “o Evangelho não traz leis sobre ordenação civil”, embora ele nos ordene que “obedeçamos às leis atuais” (Ap XVI, 6,3). Como um pressuposto hermenêutico esta distinção entre o governo civil e o reino de Cristo serve para prevenir uma interpretação política daqueles textos que falam do reino espiritual de Deus. Uma tal interpretação política, no entanto, não é incomum na abordagem feita pela interpretação milenista.

Sétimo, a terra de Israel prefigura Cristo e, em última análise, os novos céus e nova terra. Assim como o Novo Testamento transcende os aspectos étnicos e políticos de Israel, assim ele também transcende as limitações geográficas da Terra Prometida.
Para entender este ponto, é preciso notar a importância teológica da terra de Israel. No Antigo Testamento, a terra de Israel ou Palestina era como um mundo em miniatura no qual Deus ilustrava Seu reinar. A terra de Israel foi prometida como o lugar (Dt 4.21,38) onde Deus abençoaria Seu povo, os filhos de Israel (Dt 26.15; 28.8) e lhes daria descanso (Dt 12.9,10; 25.19). Entretanto, no Novo Testamento Cristo é o herdeiro da promessa dada a Abraão e é aquele através de quem (Gl 3.15-18; Hb 1.2; 6.19,20; Cl 1.27; Tt 2.13) o Novo Israel recebe as bênçãos de Deus (Rm 15.29) e verdadeiro descanso (Mt 11.28,29). LaRondelle afirma em relação a isto:

Onde quer que Cristo esteja, ali é o lugar santo. Esta é a essência da aplicação neotestamentária ao território santo de Israel. O Novo Testamento coloca a santidade de Jesus Cristo em substituição à santidade da antiga Jerusalém. Ele “cristifica” a santidade do antigo território e assim transcende suas limitações. Isso não deve ser considerado como uma rejeição, por parte do Novo Testamento, à promessa do território de Israel, mas como seu cumprimento e confirmação em Cristo.

Desde que aqueles que tem comunhão com Cristo possuem vida eterna, pode-se dizer que a Terra Prometida de Israel prenunciava, em última análise, a Terra Prometida, os novos Céus e nova Terra (Is 65.17; 66.22; 2 Pe 3.13; Ap 21.1-3). Os crentes aguardam o usufruir pleno de sua nova herança (Ap 21.1,7; Ef 1.13,14; Cl 1.12; 1 Pe 1.3-5), quando Deus abençoará a Igreja com descanso eterno, um descanso que já é nosso através da fé em Cristo (Hb 3.1; 4.1,8-10).
Considere como o Novo Testamento trata da promessa de Deus para Abraão sobre a terra de Canaã (Gn 12.1,7; 15.18-21; 17.8). Tanto Rm 4.13 como Hb 11.8-16 interpretam esta promessa como uma referência ao novo “mundo” e ao país “celestial” (cf. Hb 2.5). O próprio Jesus ampliou o alcance deste território para abranger a nova terra (cf. Mt 5.5; Sl 37.11). A terra da Palestina, onde Israel viveu, era, por assim dizer, a primeira prestação ou o penhor deste mundo futuro. Portanto, apesar de que as promessas dos profetas de que Israel habitaria na terra foram parcialmente cumpridas no retorno de Israel do exílio babilônico, o cumprimento final destas promessas vem em Cristo e na nova terra, não em um retorno literal dos judeus para a terra da Palestina.

B. A Doutrina da Escatologia

Para uma avaliação das posições milenistas sobre os tempos do fim, é útil fazer uso de uma distinção entre o que alguns teólogos têm chamado de escatologia inaugurada e escatologia futura. A expressão escatologia inaugurada abrange tudo o que as Escrituras do Antigo e Novo Testamentos ensinam sobre a posse e gozo presentes do crente das bênçãos que serão plenamente experimentadas quando Cristo retornar. Escatologia futura focaliza os eventos que ainda estão no futuro, tais como a ressurreição, julgamento e os novos céus e nova terra.

1. Escatologia Inaugurada

Através de todo o Antigo Testamento há uma confiança orientada para o futuro. A fé do crente do Antigo Testamento era totalmente escatológica. Como diz o escritor aos Hebreus, “todos estes morreram na fé, sem ter obtido as promessas, vendo-as, porém, de longe, e saudando-as” (11.13). A perspectiva escatológica do Antigo Testamento pode ser resumida sob os sete pontos seguintes:

a. Os crentes do Antigo Testamento aguardavam um Redentor futuro. De Gn 3.15 em diante o Antigo Testamento aponta para a frente, para o Redentor prometido. Ele seria o ponto culminante e o cumprimento dos ofícios de profeta (Dt 18.15), de sacerdote (Sl 110.4) e de rei (Zc 9.9), o “servo” cujo sofrimento expia os pecados da humanidade (Is 52.13-53.12) e o glorioso “um como o Filho do homem” a quem é dado “domínio, glória e reino” eternos (Dn 7.13,14).
b. Os escritores do Antigo Testamento aguardavam o reino de Deus escatológico, quando o reinar de Deus se tornaria uma realidade experimentada completamente não apenas por Israel, mas pelo mundo, seja em julgamento, seja em salvação (Sl 93; 95-99; Dn 2.44,45; 7; Is 24-27; Ob 21).
c. O Antigo Testamento antecipa a nova aliança que trará o perdão dos pecados e se constituirá no cumprimento das alianças de Deus no passado com Abraão, Israel e Davi (Jr 31.31-34).
d. A restauração de Israel é um elemento central da expectativa escatológica no período do Antigo Testamento. Os profetas aguardavam o dia em que Deus iria restaurar Seu povo arrependido, crente e purificado (Ez 36; Is 35; 54-55; 61).
e. O derramamento do Espírito era outro objeto da esperança escatológica possuída pelo povo de Deus no Antigo Testamento (Jl 2.28,29; Ez 36.27; 39.29; Is 32.15; 44.3).
f. Os profetas esperavam o dia do Senhor, que traria a ira de Deus sobre os ímpios, mas salvação para os crentes (Is 13.6-16; Sf 1; 3.9-20; Jl 2.32; Ob 15-21; Ml 4).
g. O Antigo Testamento aguarda os novos Céus e a nova Terra. Assim como a Terra é amaldiçoada como um resultado da queda (Gn 3.17,18), ela também deverá tomar parte do ato final de redenção de Deus (Is 11.6-9; 32.15; 35.1-7; 65.17; 66.22).

Com o primeiro advento de Cristo, estas esperanças escatológicas do Antigo Testamento se cumpriram. Jesus de Nazaré é o longamente esperado Messias, que derrotou Satanás, o pecado e a morte (Mt 12.22-29; Jo 12.31; Cl 2.11-15; Hb 2.14,15; 1 Co 15.55-57; 1 Jo 3.8). Em Sua vida, morte e ressurreição, o reino de Deus escatológico apareceu na história (Mt 12.28; Lc 1.32,33,68-75; 11.20; 17.20,21; Cl 1.13,14; Ap 1.6; Rm 14.17). O Novo Israel (Gl 3.29; 6.16; Rm 9.6-8) recebe o perdão dos pecados e todas as bênçãos da nova aliança em Cristo (1 Co 11.25; Hb 8-10). O prometido derramamento do Espírito já veio em Cristo (At 2; 8.14-17; 10.44-48; 19.1-7; Ef 1.13,14; Tt 3.5,6; 1 Co 6.19). O grande Dia do Senhor chegou em Cristo (Lc 19.44; Mt 3.1-12; 2 Co 6.1,2). E aqueles que estão em Cristo já participam da nova criação; eles são, na verdade, “uma nova criação” (2 Co 5.17). O eschaton já foi inaugurado; “os fins dos séculos têm chegado” (1 Co 10.11). Através do Evangelho e dos Sacramentos o cristão recebe desde agora, pela fé, as bênçãos escatológicas prometidas por Deus (Hb 6.5; 1 Pe 2.2,3; Rm 8.37-39; 6.1-11).
Assim, o cristão vive agora na era do cumprimento, nos últimos dias (At 2.17; 3.20,21; Hb 1.1,2; 9.26; 1 Jo 2.18; 1 Pe 1.20). O Novo Testamento declara que a era messiânica, prometida no Antigo Testamento, veio no primeiro advento de Cristo. O Messias prometido está agora reinando graciosamente no trono de Davi, através do Evangelho e dos Sacramentos, os meios através dos quais estende Seu convite gracioso (Mt 22.1-14). A era messiânica, que o Novo Testamento declara ser uma realidade presente, não pode, portanto, ser vista como apenas algo do futuro.
E, todavia, os cristãos ainda aguardam a consumação destas promessas divinas. Eles aguardam a segunda vinda do Messias, quando o reino de Deus se manifestará plenamente (Mt 7.21-23; 8.11,12; 25.31-46; Lc 21.31; 22.29,30; 1 Co 6.9; 15.50; 2 Tm 4.18). Os cristãos aguardam ansiosamente a consumação da nova aliança, quando conhecerão perfeitamente o Senhor e não mais pecarão (Jr 31.31-34). Eles aguardam o dia em que todo o Novo Israel, cristãos vivos e mortos, será reunido para estar para sempre com o Senhor (Mt 19.28; 24.30,31; 25.31-34; 1 Ts 4.13-18). A dádiva do Espírito Santo, que foi derramado sobre cada um deles em seu batismo, é a primeira parcela e a garantia de sua herança de glória futura e da recepção de seu corpo espiritual (Ef 1.14; 4.30; 2 Co 5.5; Rm 8.23). E os cristãos esperam fielmente pelo futuro Dia do Senhor, quando habitarão com Ele para sempre nos novos Céus e nova Terra (2 Pe 3.10-13; 1 Ts 5.1-11).
Assim sendo, os cristãos vivem na proverbial tensão entre o já e o ainda não. Esta tensão está na base de tudo o que a Escritura ensina sobre escatologia. Por um lado, o fim chegou em Cristo. O crente recebe agora as bênçãos escatológicas prometidas através do Evangelho e dos Sacramentos. Por outro lado, a consumação ainda é uma realidade futura. O cristão ainda não entrou na glória do céu.
A vida dos cristãos nesta tensão é uma vida sob a cruz (Mt 16.24,25); as bênçãos escatológicas que os cristãos têm são deles pelo crer, não pelo ver (Rm 8.24,25). Daí que os crentes podem esperar sofrerem e serem perseguidos nesta vida. Mas a vida abundante que Jesus veio lhes dar, capacita-os a levantarem dos sofrimentos e, em meio ao seu sofrimento ajuda-os a colocarem o foco na consumação futura (Lc 6.22,23,26; 1 Ts 3.4; 1 Pe 5.10; Jo 16.33; At 14.22; Cl 3.1-4; Rm 8.18-25). Apenas no último dia os cristãos passarão da vida sob a cruz para a vida na glória.

2. Escatologia Futura

Quando as Escrituras falam dos eventos futuros dos tempos do fim elas o fazem apontando simultaneamente para o que tem sido chamado grande ato escatológico do passado. Desde que Cristo venceu a vitória decisiva sobre Satanás, o pecado e a morte no passado, os eventos escatológicos futuros são apenas o clímax do que já foi colocado em ação por este evento central da história humana. Com isto em mente passamos agora a olhar em detalhe para aqueles aspectos da “escatologia futura” que são cruciais para uma interpretação apropriada dos tempos do fim.

a. Os Sinais do Fim

A Escritura revela numerosos sinais que apontam para o retorno de Cristo (especialmente em Mt 24; Mc 13; Lc 21 e 2 Ts 2). Antes de considerar estes sinais, é importante entender seu propósito.
Primeiro, os sinais do fim não são apenas eventos que acontecerão no futuro. A Igreja em qualquer geração pode esperar testemunhar sua ocorrência. Guerras, fome, terremotos e forças anti-cristãs já estavam presentes no primeiro século A.D., e continuam hoje. Mesmo a promessa de Jesus de que o evangelho será pregado em todo o mundo pode ser considerada cumprida já nos dias dos apóstolos (Mt 24.14; Rm 1.8; 10.18; Cl 1.23). Para sermos exatos, estes sinais tornar-se-ão mais evidentes e intensos imediatamente antes do retorno de Cristo, mas todas as gerações estavam e estarão agindo responsavelmente esperando a volta de Cristo em seu próprio tempo de vida. Vigilância precisa caracterizar a postura constante da Igreja, e não preguiça ou apatia criadas pela noção errada de que o retorno de Cristo deve estar longe no futuro (Mt 24.33,42-44; Lc 21.28; 1 Ts 5.6).
Segundo, os sinais do fim não pretendem dar aos cristãos meios para que calculem o tempo exato da segunda vinda de Cristo. Na verdade, o Novo Testamento adverte contra tais esforços de fixar a data (Mt 24.36; Mc 13.32; 1 Ts 5.1-3; 2 Pe 3.10). Os sinais do fim, apresentados na Escritura, asseguram ao cristão que Cristo certamente voltará.
Terceiro, o observar dos sinais tem um significado positivo para a vida hoje. Eles servem como lembrança do chamado de Deus à vigilância, vida santa e serviço a Cristo (Mt 25; Rm 13.11-14; 2 Ts 2-3; Tg 5.7-11; 2 Pe 3.11-18).
Finalmente, os sinais do fim não pertencem necessariamente à categoria do extraordinário e espetacular. As exortações para serem vigilantes, dadas por Jesus aos apóstolos, pressupõem que os sinais serão uma parte do curso ordinário da história (eventos não incomuns, como guerras, terremotos, fome, apostasia e a proclamação mundial do Evangelho) e, portanto, tal discernimento é necessário. Tal discernimento também é requerido, naturalmente, no caso do extraordinário; falsos “sinais e prodígios” são, de fato, possíveis (2 Ts 2.9; Mt 24.24).
Procedemos agora na discussão dos sinais individuais. O esboço sobre os “sinais dos tempos” proposto por Anthony Hoekema é uma boa maneira de apresentar o que as Escrituras ensinam sobre os eventos que terão lugar antes da vinda de Cristo. O agrupamento feito por Hoekema (com pequenas revisões) é como segue:

1. O sinal evidenciando a graça de Deus: a proclamação do
Evangelho às nações.
2. Os sinais indicando julgamento divino:
a. guerras
b. terremotos
c. fome e pestilência
d. sinais nos céus
3. Os sinais indicando oposição a Deus:
a. tribulação
b. apostasia
c. Anticristo

O sinal mais importante do fim é a pregação missionária do Evangelho às nações (Mt 24.14; Mc 13.10). Ela dá à era presente seu propósito e significado primário (Mt 28.18-20). O período entre os dois adventos de Cristo é proeminentemente a era missionária, o tempo em que Deus graciosamente chama a todos os povos para serem salvos, um tempo previsto pelos profetas do Antigo Testamento (Is 2.1-4; 42.6,7; 49.6; 52.10; Am 9.11,12). Este sinal significa, portanto, que a Igreja executará um ambicioso programa para atingir ao judeu e ao gentio. Ao proclamar a Igreja o Evangelho às nações, nada prevalecerá contra ela, nem mesmo as portas do inferno (Mt 16.16-19; Ap 7.3; 11.3-6; 20.1-6). Entretanto, precisamos admitir humildemente que somente Deus sabe quando este sinal terá sido completamente cumprido.
O próximo grupo de sinais - guerras, terremotos, fome, peste e sinais nos céus - indica julgamento divino (Is 19.2; 2 Cr 15.6; Mt 24.6-8; Mc 13.7,8; Lc 21.9-11,25,26; Jl 2.30,31). Isto não significa, obviamente, que as pessoas que sofrem tais desastres são necessariamente o alvo especial da ira de Deus (cf. Lc 13.1-5). Mas acontecimentos desta natureza servem para lembrar o fato de que o presente mundo caído está sob a ira de Deus (Gn 3.17; Rm 8.19-22). São manifestações da ira de Deus e assinalam a necessidade de que todos os pecadores se arrependam (Lc 13.3,5; Ap 9.20,21; 16.9). Os cristãos, no entanto, são também encorajados a considerarem estes sinais como as “primeiras dores” de um mundo novo e melhor (Rm 8.22; Mt 24.8; Ap 21.1-4) e receberem conforto no fato de que Deus promete protegê-los e preservá-los no meio deste sofrimento (Ap 3.10; 7.3,4).
O terceiro grupo de sinais indica oposição a Deus e ao Seu reino: tribulação, apostasia e o Anticristo. Assim como os outros sinais, estes sinais de tribulação se aplicam a todo o período entre as duas vindas de Cristo. Assim como o Israel do Antigo Testamento experimentou sofrimento e angústia através de sua história, a Igreja não pode esperar menos. Jesus viu problemas à frente para Seu povo (Mt 5.10-12; Jo 15.18-20; 16.33). Por causa da contínua oposição do mundo ao reino de Deus, os cristãos podem esperar perseguição em várias formas durante esta era e são chamados a suportar em fé até o fim (Mt 24.9; Mc 13.9-13; Lc 21.12-19).
Entretanto, a Escritura também ensina que a tribulação para a Igreja se intensificará perto do fim. O Antigo Testamento prediz perseguição intensificada contra o povo de Deus perto do fim (Dn 12.1; Ez 38-39; Zc 14.1,2). Jesus fala de uma “grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido, e nem haverá jamais” (Mt 24.21), imediatamente depois do que Ele voltará (Mt 24.29-31; cf. Mc 13.14-27; Lc 21.20-28). Quando Jesus aponta para o “abominável da desolação” em Mt 25.15, Ele provavelmente se refere à blasfema profanação e à destruição do templo em 70 A.D., que por sua vez tipifica o Anticristo, que se levanta na Igreja (cf. Lc 21.20; 2 Ts 2). Com “perspectiva profética abreviada” (ver nota 13), Jesus assim coloca numa mesma figura tanto a destruição de Jerusalém como a perseguição final intensificada contra a Igreja. Claramente esta perseguição não está limitada a Jerusalém ou à nação judaica, mas é diretamente contra toda a Igreja, já que em Mt 24.22 Jesus diz que aqueles dias serão abreviados “por causa dos eleitos”. Além disso, Jesus endereça Seu discurso aos Seus discípulos como representantes da Igreja.
O Apocalipse de João também descreve esta perseguição final à Igreja, embora numa linguagem simbólica (9.13-19; 11.7-10; 16.12-16; 19.19; 20.7-9). Este é o “pouco tempo” de Satanás, quando ele reúne o mundo anticristão numa tentativa de destruir a Igreja e impedí-la de pregar livremente o Evangelho às nações (Ap 20.7-9; Ez 38-39). O assalto final de Satanás é simbolicamente chamado de batalha de Armagedom, a transliteração grega do hebraico har megiddo - o “monte de Megido”, uma expressão que pode estar aludindo às famosas batalhas que aconteceram naquele local, no Antigo Testamento. Mas tendo em vista a natureza da linguagem apocalíptica, estes versículos não devem ser interpretados literalmente como se eles se referissem a uma guerra mundial no Oriente Médio. Nem se deve entender que esta tribulação durará três e meio, ou sete anos, já que os números em Daniel e Apocalipse são também simbólicos. Não se pode computar exatamente quando o “pequeno tempo” de Satanás começou ou começará. No entanto, visto que a oposição à Igreja cristã está muito espalhada em nossos dias, há toda razão para crer que já estamos neste período de tempo.
O propósito do sinal da tribulação é também de exortar os cristãos a “erguer as vossas cabeças, porque a vossa redenção se aproxima” (Lc 21.28; cf. Mt 24.33; Mc 13.29). A tribulação é também um meio de Deus purificar Sua Igreja e “provar” o cristão (1 Pe 1.6,7; 4.12; Zc 13.9; Dn 12.10). O julgamento que alcança a Igreja é o último preliminar do Dia do Julgamento (1 Pe 4.17) e, como tal, “alerta os membros da Igreja que procurar escapar do sofrimento renunciando a fé é uma insensatez fatal; escaparão do sofrimento presente apenas para encontrar evidente condenação”.
Um outro sinal do fim que indica oposição a Deus é o sinal da apostasia. As apostasias na era do Novo Testamento foram prenunciadas no Antigo Testamento. O Antigo Testamento registra uma história de apostasia crescente que levou à destruição final tanto do reino do norte, como do sul. A história da Igreja cristã também é marcada por uma apostasia contínua através do período entre os dois adventos de Cristo (Mt 24.10-12; Hb 6.6; 10.29; 2 Pe 2.20-22; 1 Jo 2.19; Gl 6.12,13).
Entretanto, o Novo Testamento também prediz uma apostasia ou rebelião final. Jesus fala de falsos cristos e falsos profetas, enganando a muitos (Mt 24.24; Mc 13.22). O apóstolo Paulo ensina que o segundo advento de Cristo não virá “sem que primeiro venha a apostasia, e seja revelado o homem da iniqüidade” (2 Ts 2.3). Visto que este sinal é chamado de queda ou apostasia e que o “homem da iniqüidade” toma seu lugar na Igreja visível (isto é, “o templo de Deus”, v. 4), podemos assumir que aqueles que caem da fé estarão associados à Igreja cristã. A apostasia final e culminante, assim como o sinal da tribulação, será uma intensificação e clímax da rebelião que já iniciou nos dias de Paulo (2 Ts 2.7).
Finalmente, a oposição a Deus é marcada pelo sinal do Anticristo. O termo Anticristo é encontrado nas Epístolas de João (1 Jo 2.18,22; 4.3; 2 Jo 7) e significa tanto um Cristo substituto (o grego anti significa “em lugar de”), como um oponente de Cristo.
O Novo Testamento diz que a Igreja em sua história testemunhará muitos anticristos (Mt 24.5,23,24; Mc 13.6,21,22; Lc 21.8; 1 Jo 2.18,22; 4.3; 2 Jo 7). Todos os falsos mestres, que ensinam contrariamente à palavra de Cristo, são oponentes de Cristo e, enquanto agem assim, são anti-Cristo.
Entretanto, as Escrituras também ensinam que há um “Anticristo” culminante (Dn 7.8,11,20,21,24,25; 11.36-45; 2 Ts 2; 1 Jo 2.18; 4.3; Ap 17-18). Na opinião da maior parte dos exegetas, este Anticristo foi prefigurado por Antíoco Epifânio, que profanou o templo de Jerusalém dedicando-o a Zeus, retirando o holocausto contínuo e colocando um altar pagão no alto do altar de holocaustos, em 167-164 a.C (cf. Dn 8.9-13,23-25; 11.21-35). Ele também foi prefigurado, assim se afirma, pelos exércitos romanos que adoravam o imperador, que profanaram (“abominável da desolação”) e destruíram o templo de Jerusalém em 70 A.D. (Mt 24.15; Mc 13.14; Lc 21.20). Pode-se esperar que a contrapartida satânica do Anticristo ao reino de Deus se intensificará perto do fim.
As Escrituras revelam as seguintes marcas distintivas do Anticristo:
1) Assim como Antíoco Epifânio profanou o templo, assim o Anticristo toma seu lugar no “templo de Deus”, isto é, a Igreja cristã (cf. 2 Ts 2.4; 2 Co 6.16; Ef 2.21; 1 Tm 3.15).
2. Ele não é o próprio Satanás, mas opera “segundo a eficácia de Satanás” (2 Ts 2.9).
3. Ele se atribui poder divino e se exibe como se fosse Deus (Dn 7.25; 11.36; 2 Ts 2.4).
4. Ele é um pseudo-cristo, uma perversão satânica de Cristo. Ele tem uma “vinda” para imitar a “vinda” de Cristo (2 Ts 2.8,9). Realiza “sinais e prodígios” (2 Ts 2.9) para imitar Cristo, que foi “aprovado por Deus ... com milagres, prodígios e sinais” (At 2.22). Ele representa o “mistério da iniqüidade” (2 Ts 2.7), para imitar o “mistério de Cristo” (Ef 3.4; Cl 4.3) e traz o “engano de injustiça”, e “operação do erro” para imitar e opor a verdade do Evangelho (2 Ts 2.10-12). Assim ele nega a Cristo e persegue os cristãos (1 Jo 2.22; 4.3; 2 Jo 7; Dn 7.25).
5. Ele permanece até o dia do julgamento, quando Cristo o destruirá (Dn 7.13,14,26; 2 Ts 2.8).

Quando Paulo escreveu aos Tessalonicenses, ele viu um obstáculo colocado sobre o “homem da iniqüidade”, que seria removido antes que este “homem da iniqüidade” fosse revelado. Paulo se referiu a este obstáculo como uma coisa (“o que o detém”, 2 Ts 2.6) e como uma pessoa (“aquele que agora o detém”, 2.7). Não sabemos o que ou quem ele tinha em mente. Talvez se referisse ao império e imperador romanos, cujo benigno poder de lei e ordem permitia que o Evangelho se propagasse e fosse glorificado (3.1). Não há como ter certeza.
De qualquer maneira, a obra do Anticristo está sob o controle soberano de Deus. Martin Franzmann conclui corretamente: “Não há um equilíbrio de poder entre o satânico e o divino; o homem da iniqüidade precisa, involuntária e relutantemente, servir os propósitos de Deus. Através dele, Deus executa Seu julgamento, o terrível julgamento que entrega os homens que não amam a verdade para a mentira que desejam. Apenas se tornam vítimas da mentira poderosa aqueles que ‘detém a verdade’ (Rm 1.18) e assim invocam a ira de Deus”. Assim, os cristãos são conclamados a “permanecerem firmes” na fé diante daquele que vem “segundo a eficácia de Satanás” (2 Ts 2.9,15).
Com respeito à identificação histórica do Anticristo, afirmamos a identificação feita pelas Confissões Luteranas, do Anticristo com o ofício do papado, cujas reivindicações oficiais continuam a corresponder às marcas escriturísticas listadas acima. É importante, no entanto, que observemos a distinção que as Confissões Luteranas fazem entre o ofício do papa (papado) e os homens individuais que preenchem aquele ofício. Estes podem até mesmo ser cristãos. Não pretendemos julgar o coração de nenhuma pessoa. Igualmente reconhecemos a possibilidade de que a forma histórica do Anticristo possa mudar. Evidentemente, neste caso surgiria outra forma identificada por aquelas marcas.

b. O Segundo Advento de Cristo

As Escrituras do Novo Testamento ensinam que um dia Cristo retornará visivelmente em glória. Elas se referem à Sua segunda vinda usando diversos termos: “vinda” ou “presença” (parousia), “aparição” (epiphaneia; phaneroo), “revelação” (apokalypsis) e “o dia do Senhor” (he hemera tou Kyriou). Um estudo dos textos onde estes termos aparecem revela que o segundo advento de Cristo é um evento ao final da história. As Escrituras ensinam o seguinte a respeito da segunda e derradeira vinda de Cristo:

1. Cristo virá visivelmente e todos os povos o verão (At 1.11; Mt 24.27,30; Lc 17.22-24; 21.27,35; Mc 13.24-26; 14.62; Ap 1.7).
2. Cristo voltará em glória na companhia das hostes de Seus anjos (Mt 13.39-43,49; 16.27; 24.30,31; 25.31; 2 Ts 1.7; Ap 19.11-14; Tt 2.13; Jd 14,24; 1 Pe 4.13; Zc 14.3).
3. Quando Cristo voltar, uma ressurreição corporal de todos os mortos acontecerá. Crentes ressuscitarão para a salvação e descrentes para a condenação (Jo 5.27-29; 6.39,40,44,54; Ap 20.11-15; 1 Co 15.12-57; Dn 12.1,2). Todos os crentes, vivos e mortos, serão “arrebatados” para “o encontro do Senhor nos ares” (1 Ts 4.13-17). A morte será destruída (1 Co 15.26,54-57; Ap 20.14).
4. Quando Cristo retornar, Ele julgará todas as pessoas, vivos e mortos (Mt 25.31-46; Jo 5.27; At 10.42; 17.31; Rm 2.16; 2 Tm 4.1,8; Jd 14,15; Ap 20.11-15). Os crentes receberão salvação eterna e os descrentes, eterna condenação (Mt 25.31-46; 1 Pe 1.4,5,7; 5.4; 1 Jo 3.2; Hb 9.28; 2 Co 5.10; 2 Ts 1.6-10). Satanás e o Anticristo serão destruídos (2 Ts 2.8; Ap 20.10).
5. Quando Cristo retornar, serão criados “os novos Céus e a nova Terra” (2 Pe 3.10-13). Em nenhum lugar, no entanto, as Escrituras ensinam que na Sua volta Cristo estabelecerá um reino político, ou “milênio” neste mundo.

A data do segundo advento de Cristo não é conhecida. O próprio Jesus ensinou: “Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai” (Mt 24.36; cf. Mt 24.42,44; 25.13; 1 Ts 5; 2 Pe 3). Os tempos e épocas fixados pela autoridade do Pai “não vos compete conhecer” (At 1.7). Portanto, é proibida a especulação quanto ao tempo do fim. Isto pode ser dito: o fato de que Deus retardou o fato por quase dois milênios até agora é devido à Sua paciência e misericórdia, pois “Não retarda o Senhor a Sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, Ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento” (2 Pe 3.9).
O ensino Escriturístico sobre o segundo advento de Cristo tem um propósito muito prático. Deus quer que todos venham a crer no Evangelho, levar uma vida santa em serviço a Cristo e ansiosamente esperar o último dia, com paciência (Rm 13.12-14; Tt 2.11-13; 1 Pe 1.13-15; 2 Pe 3.11,12; 1 Jo 3.2,3; 1 Tm 6.14; Mt 25.14-30).


c. A Ressurreição (Geral)

Uma ressurreição geral do corpo é verdade central da escatologia bíblica. As Escrituras ensinam claramente que o Deus Triúno ressuscitará corporalmente todos os mortos na segunda vinda de Cristo, dará vida eterna aos crentes e entregará os descrentes à eterna condenação.
Jesus ensinou: “Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo” (Jo 5.28,29; cf. Dn 12.2; At 24.15). Em Ap 20 o apóstolo João fala da única ressurreição geral, quando escreve: “Deu o mar os mortos que nele estavam. A morte e o além entregaram os mortos que neles havia. E foram julgados, um por um, segundo as suas obras” (20.13). Esta ressurreição “geral” acontecerá no segundo advento de Cristo, isto é, no “último dia” (Jo 5.28,29; 6.39,40,54; 1 Ts 4.16; Fp 3.20,21; 1 Co 15.23). A posição pré-milenista, de que haverá duas, três ou mais ressurreições corporais separadas por períodos de tempo, simplesmente não pode ser sustentada com base no que as Escrituras ensinam sobre a ressurreição dos mortos.

Excurso sobre a Ressurreição do Corpo

A Escritura ensina que o que do homem está na tumba (i.e., seu corpo), isto ressuscitará. A identidade entre o corpo ressurreto com o corpo da vida terrena de alguém está implícita no termo ressurreição. Assim como o Jesus ressurreto era a mesma pessoa que o Jesus crucificado e assim foi reconhecido pelos Seus discípulos, assim também os mortos ressuscitados serão as mesmas pessoas que viveram anteriormente na terra. Uma continuidade existe entre o corpo natural e o corpo ressuscitado daquele que ressuscitou.
Entretanto, há também uma descontinuidade entre o corpo natural e o corpo ressuscitado dos crentes. Assim como o corpo ressurreto de Jesus era um “corpo glorioso”, assim também o “corpo de humilhação” do cristão será transformado para ser semelhante ao corpo glorioso de Jesus (Fp 3.21). Esta transformação do corpo do cristão é necessária porque “carne e sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção” (1 Co 15.50). Devido à queda da humanidade em pecado, o corpo natural está agora sujeito aos efeitos da queda (tais como: o pecado, fraqueza, doença, envelhecimento e morte), uma situação que chegará ao fim na ressurreição.
A discussão de Paulo em 1 Co 15 é o comentário mais completo dado na Bíblia sobre o corpo ressuscitado do cristão. O apóstolo apresenta seis contrastes neste capítulo:

1. O que é semeado corruptível ressuscita incorruptível. Já não mais será sujeito a doença ou decadência.
2. O que é semeado em desonra ressuscita em glória. Já não mais terá a desonra de ser sepultado, mas será glorificado, radiante e brilhante como o corpo glorificado de Cristo (cfr. Fp 3.21).
3. O que é semeado em fraqueza ressuscita em poder. As fraquezas que fazem as pessoas cansar e precisar descanso não mais os envolverão.
4. O que é semeado corpo natural ressuscita corpo espiritual. Ele não mais funcionará conforme seus instintos naturais, mas viverá completamente sobre o poder e direção do Espírito Santo.
5. A natureza mortal será vestida de imortalidade (v. 53,54). Não estará mais sujeita à morte.
6. O corpo do cristão, que agora carrega “a imagem do que é terreno” terá então a imagem de Cristo (v. 49; cf. Rm 8.29; Cl 3.10).

Naturalmente, a Escritura não satisfaz toda a nossa curiosidade sobre a ressurreição (1 Jo 3.2). Ela nos conta, no entanto, que o cristão será glorioso e perfeito como Cristo, tanto no corpo como na alma, e não mais estará sujeito aos efeitos da queda.
Cristãos ressurretos serão “como anjos”, no que “não se casam, nem se dão em casamento” (Mt 22.30; Lc 20.35,36). Entretanto, a similaridade não deve ser estendida para incluir incorporeidade ou perda de identidade como macho e fêmea. Nem devemos crer que certas funções corporais naturais serão ainda necessárias na vida por vir (cf. 1 Co 6.13).
A ressurreição de Cristo é tanto a causa como a garantia da ressurreição dos cristãos. Sua ressurreição é “as primícias” da colheita final, garantindo que aqueles que estão nele também irão ressuscitar dentre os mortos (1 Co 15.20; Cl 1.18; Rm 8.29). Através do Batismo, o cristão já ressuscitou para a vida e está, assim, assegurado da ressurreição corpórea final (Rm 6.5,11,13; Cl 2.12; 3.1-4). O habitar do Espírito Santo, que foi dado no Batismo, é o penhor que assegura a ressurreição futura do cristão (Rm 8.11,23; 2 Co 1.22; 5.5; Ef 1.13,14). Da mesma forma, o corpo e o sangue de Cristo na Ceia do Senhor são uma antecipação das bênçãos escatológicas futuras (Mt 26.29; 1 Co 11.26).

d. O Arrebatamento
A palavra “arrebatamento” é uma tradução de um termo grego, em 1 Ts 4.17, que significa “ser tomado”. Refere-se ao evento descrito em 1 Ts 4.13-18, ou seja, de que todos os cristãos, tanto mortos como vivos, serão tomados pelo Senhor para encontrarem-se com Ele nos ares em Seu segundo advento. Paulo menciona o “arrebatamento” em resposta a um problema específico na Igreja de Tessalônica. Os Tessalonicenses lamentavam pela morte de alguns membros da Igreja porque temiam que estes mortos estariam excluídos da salvação futura associada com o segundo advento de Cristo (1 Ts 4.13).
Paulo corrige a visão destorcida dos Tessalonicenses sobre o fim, informando-os que “os mortos em Cristo viverão” e que, na verdade, precederão os vivos em serem arrebatados nos ares para encontrarem com Jesus. Assim sendo, os dois grupos de crentes - os mortos, que ressuscitarão e os cristãos vivos, que serão transformados (1 Co 15.51,52) - estarão “para sempre com o Senhor” (1 Ts 4.17; 5.10). O propósito do “arrebatamento” que Paulo descreve em 1 Ts 4.17 é evidente, a partir da linguagem que ele emprega neste versículo. A palavra traduzida por “encontro” é um termo técnico usado no tempo do Novo Testamento para descrever uma recepção pública dada por uma cidade a um visitante ilustre. Os principais cidadãos da cidade normalmente deixariam a cidade para “encontrarem-se” com o distinto visitante e então acompanhá-lo para dentro da cidade (cf. At 28.15). Paulo parece estar dizendo, portanto, que os cristãos irão se encontrar com o Senhor nos ares para acompanhá-lo em honra para a Terra para o Julgamento. Os cristãos estarão incluídos em Sua gloriosa companhia de anjos enquanto Ele desce para a terra.
Mas quando acontecerá o “arrebatamento”? (Ver o Diagrama no Apêndice I) Todos os milenistas crêem que ocorrerá antes do governo de “1000 anos” de Cristo sobre a terra. Pré-milenistas dispensacionalistas crêem que ocorrerá ou no início da tribulação dos “sete anos” (i.e., um arrebatamento “pré-tribulação”) ou após os primeiros três anos e meio da tribulação (i.e., um arrebatamento “mesotribulacional”). Eles crêem que os “santos arrebatados” irão então para o céu com Jesus e permanecerão lá por sete anos ou por três anos e meio, depois do que descerão para a terra, para o milênio. Pré-milenistas históricos crêem que ocorrerá no final da tribulação (i.e., arrebatamento “pós-tribulacional”), mas antes do milênio.
À luz das claras passagens da Escritura sobre o assunto, é difícil ver como uma abordagem assim especulativa pode ser defendida seriamente. O “arrebatamento” descrito por Paulo ocorrerá na segunda vinda de Cristo, depois da “tribulação” (i.e., no fim da história), quando acontecerá a ressurreição e o dia do julgamento para todos. O último dia virá “como um ladrão à noite”, trazendo destruição para os descrentes, mas salvação para os crentes (1 Ts 5.1-10). O “arrebatamento” acontecerá após a aparição e obra do Anticristo (2 Ts 2.3). Cristo reunirá Seus eleitos ao final do tempo da tribulação (Mt 24.29-31). Nesta hora Ele julgará todos os povos (Mt 25.31-36). Quando os crentes são ressuscitados, a morte é destruída (1 Co 15.26,51-57). Esta destruição da morte ocorrerá após o assim chamado “milênio” (Ap 20.11-15). Isto indica que o “arrebatamento” ocorrerá depois dos simbólicos 1000 anos de Apocalipse 20.

e. O Julgamento Final

As Escrituras ensinam que haverá um dia do julgamento final, que acontecerá no segundo advento de Cristo, no final da história humana (Mt 13.40-43; 25.31,32; 2 Pe 3.7; 2 Ts 1.7-10; Sf 1; Is 24-27). Este último dia é mencionado como “o dia do julgamento” (Mt 11.22), “aquele dia” (Mt 7.22; 2 Ts 1.10; 2 Tm 4.8; Is 24-27; Sf 1), e o “dia da ira” (Rm 2.5; Sf 1.15). Não há nada nestes textos que suporte a posição pré-milenista de que haverá dois, três ou mais julgamentos separados por períodos de tempo, ou um longo processo de julgamento.
O julgamento final do mundo foi confiado pelo Pai ao Filho. Ele foi nomeado o Juiz final (Rm 14.10; Jo 5.22; At 17.31; cf. 2 Co 5.10; 2 Tm 4.1,8; At 10.42; Rm 2.16; Mt 25.31,32; Ap 19.15). Que Cristo será o Juiz é boa notícia, já que Ele é o que morreu e ressuscitou pela salvação de todos. Aqueles que estão vestidos com Sua justiça o encontrarão como Salvador, enquanto aqueles que se baseiam em sua própria justiça o encontrarão como o Juiz que os condena.

f. A Nova Criação

Quando Cristo voltar Deus criará novos céus e nova terra (Is 65.17; 66.22; 2 Pe 3.13; Ap 21.1). As Escrituras indicam que entre o mundo presente e o novo mundo existirá uma continuidade e uma descontinuidade, assim como há continuidade e descontinuidade entre o corpo presente e o corpo ressuscitado do cristão.
A nova criação futura envolverá, de certa forma, a criação presente e será o ponto culminante da obra redentora de Cristo. Rm 8.19-23 fala da criação esperando com ansioso desejo e gemido, em sofrimento, pelo tempo quando ela será liberta de sua escravidão à ruína. Um dos resultados da queda de Adão é que a terra é amaldiçoada e produz cardos e abrolhos (Gn 3.17,18). Assim como os seres humanos, que voltam ao pó na morte, mas um dia ressuscitarão, assim a própria criação será liberta de sua escravidão: “Mas, a mesma continuidade, que torna o nosso corpo futuro um com nosso corpo atual, liga o novo mundo imaculado de Deus com o mundo que conhecemos, o mundo cuja beleza frustrada ainda nos causa admiração, cujas obras vãs ainda podem testificar daquele que uma vez disse ‘Muito bom!’ e dirá novamente ‘Muito bom!’ para tudo o que foi feito por Suas mãos”. Como foi apontado anteriormente, a terra prometida de Canaã e a cidade de Jerusalém prefiguraram a Terra Prometida e a Jerusalém celeste (cf. Rm 4.13; Hb 3.11-4.11; 11.8-10,13-16; 13.14; Gl 4.26).
As Escrituras descrevem a nova criação em termos semelhantes a estas realidades do Antigo Testamento. Isaías descreve-a como um mundo novo, com vinhas e harmonia perfeita mesmo no reino animal (65.17-25; cf. 11.6-9). Joel e Amós a descrevem como uma terra rica, que destila vinho e leite (Jl 3.18; Am 9.13,14). Ezequiel a retrata como uma terra vivificada com água viva (47.1-12). João fala dela em termos de um novo jardim do Éden (Ap 22.1-4) e como uma nova Jerusalém, feita de preciosas pérolas (Ap 21.10-27; cf. Is 52.1; Ez 40-48). Todas estas descrições são, obviamente, escritas em linguagem poética e figurada, cujos detalhes não deveriam ser interpretados de uma forma literal. Entretanto, a discussão de Paulo em Romanos 8 deixa claro que a nova criação será, de um certa forma, semelhante à presente criação. O cristão não deve se sentir embaraçado pela descrição aparentemente “terrena” feita pela Escritura, nem deve tentar transcender sua descrição com base na razão humana ou numa “espiritualização” que despreza o fato de sermos criaturas.
Todavia, existirá também um elemento de descontinuidade entre o mundo que conhecemos e o mundo futuro. Os presentes céus e terra “passarão” (Mt 5.18; 24.35; Mc 13.31; Lc 16.17; 21.33; Ap 20.11; 21.1). Eles envelhecerão e serão enrolados como um manto (Hb 1.10-12; Sl 102.26-28) e estão sendo agora reservados para o fogo (2 Pe 3.7). Os corpos celestes (sol, lua, estrelas) serão dissolvidos pelo fogo (2 Pe 3.10). Os céus serão enrolados como um pergaminho (Is 34.4; Ap 6.14). As montanhas e as ilhas serão removidas (Ap 6.14; 16.20). A terra ficará desolada e será consumida (Sf 1.18). “A terra e as obras que nela existem serão atingidas” (2 Pe 3.10).
A nova criação consiste numa nova ordem de coisas. O dia será contínuo, sem noite, nem sol, nem lua, já que Deus e o Cordeiro serão a luz e a lâmpada (Ap 21.23; 22.5; Zc 14.6,7; Is 60.19-20). Ordenações da ordem da criação, tais como o casamento e o governo cessarão (Mt 22.30; Mc 12.25; Lc 20.34,35; 1 Co 6.1-11).
Finalmente, os céus e terra serão unidos em harmonia, como o lugar da presença de Deus. Este é o ponto de Ap 3.12 e 21.2,3, que descreve a Jerusalém celeste descendo. Então os seres humanos estarão em perfeito relacionamento com Deus, vendo-o como Ele é (1 Jo 3.2).

g. Condenação Eterna

Os descrentes sofrerão, tanto no corpo como na alma, a eterna separação e condenação no inferno (Mt 18.8; 25.46; Mc 9.43; Jo 3.36; 2 Ts 1.9; Jd 13; Ap 14.11). Tormento indescritível será conscientemente experimentado, sendo que o grau será determinado pela natureza dos pecados a serem punidos (Mt 11.20-24; 23.15; Lc 12.47,48).
O inferno é retratado como um lugar, de local não designado, de fogo inextinguível, onde as pessoas irão chorar e ranger os dentes (Mt 5.22; 13.41,42; 18.8,9; 25.30; Mc 9.43; Lc 16.23,24; Ap 14.10,11). É um lugar de profundas trevas (Mt 8.12; 25.30; 2 Pe 2.17; Jd 13), um lago que queima com fogo e enxofre (Ap 21.8), e um lugar onde os homens beberão o cálice da ira de Deus, uma metáfora usada comumente no Antigo Testamento (Ob 16; Sl 11.6; 75.8; Is 51.17,22; Ap 14.10; 16.19). Condenação eterna consiste numa exclusão permanente da comunhão com Deus (Mt 8.12; 25.41; 2 Ts 1.9), um estado no qual toda a força da ira de Deus será experimentada (Rm 2.5,8). Os descrentes já estão neste estado de condenação, que será plenamente manifesto no segundo advento de Cristo (Jo 3.18,36; Rm 1.18). “Uma coisa é certa: o inferno não tem ateus, pois os condenados experimentam realmente Deus como o justo Juiz”.
A causa da condenação eterna é a recusa do homem de crer na obra expiatória de Cristo (Jo 3.18,36). Onde o perdão em Cristo não é recebido, o pecador é condenado (Ez 18.20; Gl 5.19-21; Ef 5.6; 1 Co 6.9,10; Ap 21.8; 22.15). Este ensino da Escritura é a forma mais vigorosa possível de Lei e pretende levar o pecador ao arrependimento, alertá-lo contra a descrença e segurança carnal, de modo que a pessoa possa ser salva. Visto que os cristãos são ainda pecadores, esta ameaça da Lei deve ser pregada também entre eles. Ela não deve ser enfraquecida pela sua substituição por outras idéias baseadas na razão humana, tais como a aniquilação dos ímpios, a possibilidade de um purgatório após a morte, universalismo ou a possibilidade da conversão dos vivos que não foram “arrebatados”.

h. Vida Eterna

Em “corpo e alma” e em alegria eterna os crentes verão a Deus como Ele é - o que é a essência da vida eterna (1 Jo 3.2). Para sermos exatos, o crente já “tem a vida eterna” (Jo 3.36) e assim está num relacionamento correto com Deus através da fé em Cristo. Todavia nesta vida o crente conhece a Deus apenas através de Sua Palavra, isto é, mediatamente. Quando Cristo voltar, então Deus será conhecido perfeitamente e será visto face a face (1 Co 13.8-12; 1 Jo 3.2; Ap 22.4). A esperança da vida eterna brota da fé no evangelho do Deus da esperança (Rm 15.13).
A vida eterna é descrita nas Escrituras como um estado de bem-aventurança sem fim. Isto significa, por um lado, que os cristãos viverão para sempre em perfeita liberdade do pecado, da morte e de todo o mal (Is 25.8; 49.10; 1 Co 15.26,55-57; Ap 2.7,11; 20.14; 21.4). Ao mesmo tempo experimentarão a alegria sem fim de estarem com Deus nos novos céus e nova terra (Ap 21; 22; Sl 16.11). Estará afastada para sempre a possibilidade de se afastarem de Deus. Esta bem-aventurança trará consigo a alegria de se estar em eterna comunhão com os outros crentes, a quem, temos razão de crer, iremos reconhecer (Mt 17.3). E não haverá limitações ou graus no que tange ao desfrutar da alegria a ser experimentada, embora haverá graus de glória correspondentes às diferenças no trabalho e fidelidade aqui na terra, produzindo louvor a Deus, mas não inveja (ver 2 Co 9.6; Mt 20.23).
Somente a graça imerecida de Deus em Cristo, não aos obras ou mesmo a fé do crente em si, é a causa da vida eterna (Ef 2.8,9). Apenas aqueles que nesta vida crêem em Cristo e na Sua obra salvífica tornam-se recipientes e possuidores da dádiva da vida. Todas as formas de justiça das obras precisam ser declaradas contrárias ao Evangelho escriturístico da graça imerecida de Deus.
O que as Escrituras revelam sobre a vida eterna pretende servir como um incentivo para as pessoas crerem no Evangelho (Jo 20.31), assim como também perseverarem na fé no meio de provações e perseguição (Mt 5.12; Rm 8.37-39; 13.11-14; 2 Tm 1.12; Hb 13.13-16; 1 Pe 1.6-9; 2 Pe 3.13,14; Ap 2.10). A Igreja também é motivada para desempenhar a grande comissão com determinação (Mt 28.18-20). A doutrina cristã da escatologia deve ser sempre ensinada e enfatizada na Igreja com esta preocupação prática em mente.

C. Textos Controversos: Romanos 11.25-27 e Apocalipse 20

Um levantamento da literatura moderna que tenta apresentar a base bíblica para uma escatologia milenista indica que certos textos são básicos para este sistema de pensamento. De fato, muitas vezes estes textos, por mais difíceis que sejam para o leitor moderno, são usados como um artifício interpretativo para introduzir em outros textos significados que nunca foram pretendidos pelos autores bíblicos. Pelo fato de serem tão centrais na doutrina milenista, Rm 11.25-27 e Ap 20 estão entre aqueles que merecem ser separados por um comentário mais prolongado.

1. Romanos 11.25-27

Entre os estudiosos do Novo Testamento existem diferentes opiniões com respeito à interpretação precisa destes versículos, especialmente do significado da frase “e todo o Israel será salvo” (v. 26). Aqueles que sustentam uma escatologia milenista encontram suporte para algum tipo de conversão em massa dos judeus antes do dia do julgamento. Outros rejeitam esta visão com base em que ela reduz, grande ou até inteiramente, o conceito paulino de “Israel”, que é uma realidade espiritual, a um fenômeno político. As várias interpretações deste texto geralmente caem em uma das quatro seguintes categorias:

1. Toda a nação de Israel, incluindo cada judeu individual, será convertida no futuro.
2. A nação judaica como um todo, mas não necessariamente cada judeu individual, será convertida no futuro ou no segundo advento de Cristo.
3. Todos os eleitos dentre os judeus serão salvos durante a história.
4. Todos os eleitos, tanto judeus como gentios, serão salvos durante a história.

As duas primeiras posições se colocam em conflito com a linha básica de argumentação de Paulo em Romanos 9-11. O apóstolo começa a discussão com a afirmação que nem todos os judeus por raça podem ser chamados “Israel”, mas apenas aqueles que crêem na promessa - que foi cumprida em Cristo (cf. 2.28,29; 9.6-8,27; Gl 3.7). Paulo diz que os judeus, “se não permanecerem na incredulidade”, serão salvos (11.23) e estão realmente sendo salvos “agora” (11.31). O apóstolo reconhece que nem todos os judeus serão salvos (9.27; 11.14). Ele não iria contradizer-se em 11.26 ensinando que todos os judeus ou a nação judaica como tal ou como um todo seria salva no futuro ou no segundo advento de Cristo.
A terceira interpretação merece a atenção pelas seguintes razões, propostas por W. Hendriksen e A. Hoekema. Eles argumentam que Paulo usa o termo Israel nos capítulos 9 a 11 de Romanos (incluindo 11.26) para referir-se aos judeus, distinguindo-os dos gentios. Entretanto, eles entendem todo o Israel em 11.26 como referindo-se à totalidade dos eleitos entre Israel (isto é, os verdadeiros israelitas dentre os judeus - 9.26), não a toda a nação judaica. Eles mantém que Paulo não faz distinção entre o reunir da totalidade do gentios e o reunir de todos os verdadeiros israelitas durante a história. Esta interpretação considera a salvação do número total dos gentios, que está ocorrendo entre a primeira e a segunda vindas de Cristo, como a ação de Deus de enxertar os não judeus em uma oliveira (isto é, “Israel”). A salvação de todo o Israel é vista como a ação de Deus através da história, entre o chamado de Abraão e a segunda vinda de Cristo, não como uma conversão da nação judaica na segunda vinda de Cristo. “Todo o Israel, portanto, difere do remanescente eleito, de que fala 11.5, mas apenas como a soma total de todos os remanescentes através da história”.
Pelas razões dadas acima na avaliação das duas primeiras interpretações, entretanto, a quarta opção parece mais provável. O apóstolo coloca claramente que “nem todos os de Israel são de fato israelitas” (9.6). Os “filhos da promessa”, não os “filhos da carne” (a nação Israel), são filhos de Deus (9.8). Se Israel se referisse apenas aos judeus como nação, esta distinção estaria removida. Entretanto, se Israel se refere aos “filhos da promessa”, então a distinção é mantida e o argumento de Paulo em Romanos 9 a 11 continua - ou seja, que os eleitos de Deus, tanto judeus como gentios, serão salvos de acordo com Seu plano na história, que foi revelado no Evangelho (o “mistério”). Os herdeiros da promessa são aqueles que crêem, tanto judeus como gentios (Rm 4). Assim é que em outro lugar o apóstolo pode se referir à Igreja como “o Israel de Deus” (Gl 6.16).
Um exame mais detalhado na discussão de Paulo no capítulo 11 substancia a quarta explicação acima. Em Rm 11 Paulo aborda a questão referente a se Deus rejeitará todos os judeus, não se Ele salvará todos os judeus. Nos versículos 1 a 10 ele responde na negativa. Mesmo nos dias de Paulo há um remanescente de judeus crentes. No restante do capítulo, o apóstolo explica o propósito servido pela descrença da maioria dos judeus. Paradoxalmente, através de sua rejeição do Evangelho, este foi para os gentios (11.11,12,19,25,30). Por outro lado, a salvação dos gentios serve para causar “ciúmes” nos judeus descrentes, isto é, serve para incitá-los a que ouçam o Evangelho e sejam também salvos (10.19; 11.11,13,14,31).
O mistério revelado em 11.25-27 é que “veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios. E, assim, todo o Israel será salvo”. A palavra assim significa “desta maneira”, isto é, do jeito descrito imediatamente antes; não significa “então”, como se pretendesse dizer após a totalidade dos gentios terem entrado. Como todo o Israel será salvo? A resposta é dada no v. 25 e é explicada através de todo o capítulo. O endurecimento de parte de Israel permitiu que o Evangelho fosse levado aos gentios e a inclusão dos gentios serve para incitar os judeus descrentes a crerem no Evangelho e assim serem salvos (enxertados em uma única árvore). Este processo continuará até o fim, “até que haja entrado a plenitude dos gentios”. A citação nos vv. 26,27 também sumariza este processo. Cristo veio de Sião (os judeus) para os gentios (cf. Jo 4.22; At 1.8) e Ele perdoará os pecados também dos judeus “se não permanecerem na incredulidade” (11.23). O versículo 26b não se refere ao segundo advento de Cristo, mas ao primeiro.
Em resumo, “todo o Israel” consiste dos grupos mencionados no v. 25, a parte crente dentre os judeus e a “plenitude dos gentios”. “Todo o Israel” é a oliveira completa, que consiste de ramos naturais (judeus que creram), de ramos selvagens (os gentios que crêem) e os ramos enxertados (os judeus que virão a crer). Eles constituem o “todos” do v. 32. “Todo o Israel” é constituído de “todo aquele que invocar o nome do Senhor” (10.13), os eleitos dos judeus e gentios, o “Novo Israel” (Rm 4.11,12,16; 9.24; Gl 3.26-29; 6.15,16).
A posição dispensacionalista de que os judeus serão convertidos após o “arrebatamento” da Igreja coloca uma segunda oportunidade de conversão após o segundo advento de Cristo e é, portanto, contrário ao Evangelho. Além disso, a opinião de que os judeus serão convertidos instantaneamente no segundo advento de Cristo contradiz a ordem da salvação revelada na Escritura, de que o Espírito Santo cria a fé unicamente pelos meios da graça no tempo presente. Também já foi sugerido que os judeus iriam se salvar automaticamente no segundo advento de Cristo sem uma conversão. Cada uma destas três posições oferece uma esperança falsa e é perigosa para a salvação das pessoas. Rejeitando todas as promessas vazias e ilusórias, a Igreja precisa fazer todo o esforço para atingir também os judeus com a proclamação da Lei e do Evangelho, como fez o apóstolo Paulo, e fazê-lo sem demora (Rm 11.13,14; 1 Co 9.19,20).

Excurso referente aos Judeus

Os cristãos reconhecem com estima o papel dos judeus na história da salvação. “A salvação vem dos judeus” (Jo 4.22) e o Novo Testamento testifica que esta salvação foi realizada através da vida e obra de Jesus de Nazaré, o Cristo nascido da linhagem de Davi. O apóstolo Paulo argumenta que há um sentido no qual os judeus até mesmo ocupam uma posição de privilégio especial, pois “São israelitas. Pertence-lhes a adoção e também a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas; deles são os patriarcas, e também deles descende o Cristo, segundo a carne” (Rm 9.4,5). De fato, os cristãos gentios não devem se vangloriar, mas agradecer a Deus, porque eles, como “oliveira brava” são enxertados na “boa oliveira” pela graça de Deus (Rm 11.17-24). Assim sendo, o anti-semitismo de qualquer espécie deve ser rejeitado pelos cristãos e, em seu lugar, a atitude da Igreja deve se caracterizar por uma consideração amorosa pelo povo judeu. Isto sem contar a gratidão devida aos judeus (por suas contribuições para a civilização e sociedade através da história), assim como compreensão e compaixão (pelas perdas e sofrimentos pelos quais passaram).
Apesar de que pode ser difícil para alguns judeus entenderem, o amor cristão constrange a Igreja a repartir o Evangelho da salvação com eles. Martinho Lutero disse, em seu último sermão, referente à atitude dos cristãos para com o povo judeu: “Queremos tratá-los com amor cristão e orar por eles, de modo que possam ser convertidos e recebam o Senhor”. Os cristãos crêem que ainda há uma esperança para os judeus descrentes. “Porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis”, Paulo lembra aos seus leitores (Rm 11.29). Deus ainda oferece a eles a salvação através do Evangelho. Portanto a Igreja deve continuar a repartir o Evangelho com eles (Rm 1.16), porque é o único meio pelo qual podem ser salvos (At 4.12). Judeus crentes constituem, junto com os gentios, o Novo Israel. Em Cristo não há “judeu nem grego” (Gl 3.28).
Falando do lugar dos judeus na história da salvação, as Escrituras não atribuem um cumprimento político para os textos do Antigo Testamento que tratam do futuro de “Israel”. O moderno Estado de Israel não é o cumprimento de profecia do Antigo Testamento. A posição de um milênio terreno com o templo reconstruído não pode ser substanciada. Dizendo de forma simples, as Escrituras silenciam com respeito a eventos políticos modernos no Oriente Médio e a qualquer direito dos judeus quanto àquela terra. Julgamentos com respeito a tais assuntos não são, pois, questões teológicas.

2. Apocalipse 20

O livro de Apocalipse foi escrito por João, que estava exilado na ilha de Patmos por causa de perseguição (1.9), provavelmente durante o reinado do imperador romano Domiciano, por volta de 95 A.D. O propósito do livro é fortalecer as Igrejas na Ásia Menor, em suas provações, assegurá-las de sua vitória em Cristo, que é Senhor sobre todos os poderes do mal, que agora assaltam o mundo, e aumentar nelas a verdadeira esperança em Cristo, que voltará em glória para eles.
O livro é escrito em linguagem apocalíptica e, portanto, como mencionado anteriormente, não pode ser interpretado literalmente. Algumas vezes João dá a interpretação dos elementos simbólicos de uma visão (por exemplo, 1.20). Em outras ocasiões, ele não o faz. Normalmente os símbolos usados pelo apóstolo são derivados do Antigo Testamento, de modo que é preciso que se esteja a par de seu pano de fundo do Antigo Testamento, para entender sua intenção. Em geral dever-se-ia seguir o princípio que o Apocalipse deve ser interpretado à luz de outras partes, claras e não figuradas, da Escritura, e não o contrário.
O reconhecimento do caráter repetitivo dos capítulos 6 a 20 tem um peso significativo para a interpretação de certos textos-chave. A profecia de João compreende as coisas que acontecerão desde a ascensão de Cristo (capítulo 5) até Seu segundo advento. Sua profecia está estruturada a partir de ciclos que se repetem e que são paralelos uns aos outros. Cada ciclo descreve o mesmo período de tempo, da ascensão de Cristo até Seu segundo advento, mas com ênfases diferentes. Estes ciclos consistem de três visões terrenas (sete selos - 6.1-8.5; sete trombetas - 8.6-11.19; sete flagelos - 15.1-16.21) e duas visões cósmicas (12.1-14.20; 20.1-15). Que o Apocalipse tem este caráter recapitulativo pode ser visto do fato que o fim da história é descrito cinco vezes, com aspectos centrais repetidos:

- 6.12-17 - o sexto selo: terremoto, todas as montanhas e ilhas são removidas; o grande dia da ira chegou.
- 11.15-19 - a sétima trombeta: a ira veio; tempo do julgamento dos mortos; relâmpagos, vozes, trovões, terremoto, granizo.
- 14.14-20 - a ceifa final: a ira de Deus.
- 16.17-21 - o sétimo flagelo: “Feito está!”; relâmpagos, barulhos, trovões, terremoto; a ira de Deus; todas as ilhas e montanhas fugiram.
- 20.11-15 - granizo, o julgamento a partir do grande trono branco; a terra e o céu fogem; os mortos são julgados.

A organização da revelação de João esboçada aqui tem implicações importantes para o entendimento do capítulo 20. O capítulo 20 é paralelo a 12.1-14.20, sendo que ambos começam com a derrota e fim de Satanás, com o dia do julgamento. O capítulo 20 resume a história desde o primeiro advento de Cristo até o segundo, mas nada diz sobre o templo, povo e terra judaicos. Ap 20.1-3 diz, de fato, que Satanás é amarrado por 1000 anos em um abismo. Se permitimos que partes não figuradas da Escritura nos ajudem a interpretar esta passagem, notamos que este amarrar aconteceu na vida terrena, morte, ressurreição e ascensão de Cristo. Satanás foi expulso, julgado e vencido no primeiro advento de Cristo (Jo 12.31; 16.11; 1 Jo 3.8; Lc 10.18; Hb 2.14). A referência ao “amarrar” Satanás (deo) ocorre apenas em Mt 12.24-29 e Mc 3.22-27, onde se refere ao primeiro advento de Cristo (cf. Lc 11.15-22). Este “amarrar” de Satanás é paralelo a Ap 12.7-13, onde ele é expulso do céu e não lhe é mais permitido acusar os santos, como ele fizera no tempo do Antigo Testamento (Zc 3; Jó 1-2).
O texto também diz que ele está amarrado, no sentido de que “não mais enganasse as nações” (20.3). Ele não é mais capaz de enganar as nações e impedí-las de ouvirem o Evangelho, como era o caso em geral no tempo do Antigo Testamento (cf. At 14.16; Mt 16.18). Ele ainda é “um leão que ruge procurando alguém para devorar” (1 Pe 5.8), mas não pode impedir o Evangelho de ir até os confins da terra (Mt 24.14).
Como é geralmente verdade na literatura apocalíptica, os números são simbólicos, representando conceitos (por exemplo, Ap 5.6). O número 1000 representa algo completo (103). Ele indica o período completo de tempo para a Igreja realizar sua missão mundial, não 1000 anos literais de um reino de Cristo na terra.
Em Ap 20.4-6 João menciona a “primeira ressurreição”. Novamente o restante da Escritura nos auxilia na definição desta expressão. Sem dúvida, a referência é para a conversão, isto é, o ressuscitar com Cristo no Batismo (cf. Rm 6.2-5,11; Cl 2.12,13; Jo 5.24; 11.25,26; 1 Jo 3.14; 5.12; Ap 3.1; Ef 2.1-6). Aqueles que desfrutam desta “ressurreição” não estão mais sob o poder da morte eterna (20.6,14,15). Antes, são “sacerdotes de Deus e de Cristo” (20.6; cf. 1.6; 5.10). Todos os cristãos, que “não adoraram a besta, nem tampouco a sua imagem” já reinam com Cristo, um reinar que não termina com a morte temporal, nem jamais terminará (20.4; cf. 5.10; 22.5; Rm 5.17; Ef 2.6).
Ap 20.7-10 descreve em linguagem figurada a perseguição intensificada do final contra a Igreja pelo mundo anti-cristão (cf. Dn 12.1; Mt 24.21,22). Satanás será solto por “pouco tempo” para enganar as nações e levá-las em um ataque contra “o acampamento dos santos e a cidade querida”, isto é, a Igreja (20.9; cf. 21.2,9). Esta perseguição final contra a Igreja também é mencionada em outra parte no Apocalipse, geralmente descrita como uma batalha (9.13-19; 16.12-16; 19.19). Armageddon, o “monte de Megido” em Hebraico, é o termo específico usado para esta batalha e, conforme comentado anteriormente, é uma alusão ao local onde batalhas famosas ocorreram no Antigo Testamento (16.16). O termo, no entanto, não se refere a uma guerra nuclear, como alguns têm sugerido, mas a uma perseguição intensificada contra a Igreja. O apóstolo também não entende “Gogue e Magogue” como representações de modernos Estados políticos (20.8). Tirando suas figuras de Ezequiel 38-39, João está se referindo ao inteiro mundo anti-cristão.
Se a Igreja já está ou não no “pequeno tempo” de Satanás é difícil responder. Todavia, pode-se certamente notar que o mundo anticristão está perseguindo a Igreja hoje e que a Igreja não consegue realizar sua missão em várias partes do mundo tão livremente como podia anteriormente. Embora de fato têm havido períodos de perseguição severa no passado, uma intensificação da tensão do fim da história, que se aproxima, bem pode estar sobre nós.
O capítulo 20 termina com um quadro do julgamento final de todos, como em 11.18 e 14.14-20. Aqueles cujos nomes não são encontrados no Livro da Vida são lançados no “lago de fogo” (20.15).
A mensagem de João no capítulo 20 é muito prática para a Igreja. Ele conclama a Igreja a perseverar fielmente em meio a perseguição crescente (cf. 13.10; 14.12), assegurando, ao mesmo tempo, aos cristãos que eles já são mais do que vencedores e que reinam com Cristo pela fé.

III. UMA AVALIAÇÃO DO PRÉ-MILENISMO DISPENSACIONAL

O presente estudo sobre Escatologia e Milenismo enfocou especialmente aspectos básicos da escatologia do pré-milenismo dispensacional. Oferecemos agora uma avaliação resumida desta posição, para o estudo e orientação dos membros do Sínodo, à medida em que se defrontam com questões concernentes à doutrina milenista. Ao oferecer a seguinte crítica, a Comissão reconhece que há diversos elementos no ensino dispensacional que seriam também afirmados por aqueles que estão comprometidos com a doutrina confessional luterana. Aqueles que ensinam a posição pré-milenista dispensacional geralmente confessam as Escrituras como a Palavra de Deus verbalmente inspirada e inerrante. Sua escatologia enfatiza um retorno visível e pessoal de Cristo. A justificação por graça através da fé em Jesus Cristo é ensinada entre eles. No entanto, o ensino dispensacional contradiz as Escrituras em muitos pontos críticos e, portanto, se constituem em perigo sério para a doutrina pura do Evangelho.

1. O pré-milenismo dispensacional ensina que o Messias e Seu reino, prometidos no Antigo Testamento, são de natureza essencialmente política. Neste sentido ele defende uma posição que lembra a expectativa messiânica do Judaísmo do primeiro século. A obra expiatória de Cristo na cruz não é central no plano de Deus de acordo com esta posição. Antes, Ele é erroneamente visto como vindo para estabelecer um reino deste mundo e, quando rejeitado, tendo-o postergado.
2. Esta posição considera a era messiânica como sendo unicamente uma realidade futura. Ela tende a trocar o “já” pelo “ainda não”, privando assim o povo das promessas confortadoras do Evangelho no tempo presente. Na verdade, Cristo inaugurou o Reino dos céus em Seu primeiro advento, um reino que é agora nosso pela fé, apesar de ainda estar escondido sob a cruz até sua consumação, no segundo advento de Cristo.
3. O pré-milenismo dispensacional tende a considerar como o centro da teologia a glória de Deus, mais do que a Sua misericórdia, que é revelada - e ainda assim oculta - no sofrimento e morte de Jesus na cruz, pelos pecados do mundo. As manifestações visíveis do poder de Deus no final da história e a obediência à vontade de Deus se tornam o foco primário, ao invés da graça de Deus revelada na cruz de Jesus Cristo (1 Co 2.2) - que o cristão considera e aceita pela fé como o lugar do triunfo definitivo de Deus sobre o pecado e todo o mal (na teologia luterana, a “teologia da cruz”, em oposição à “teologia da glória”).
4. O pré-milenismo dispensacional subestima, e até mesmo ignora, a importância da tipologia bíblica. Toda profecia aponta Jesus Cristo como o cumprimento. Ele é o antítipo dos tipos do Antigo Testamento. Quando acontece determinada realidade para a qual o Antigo Testamento aponta, não se pode voltar às “sombras”, tais como o templo do Antigo Testamento (Cl 2.17,17; Hb 10.1).
5. A compartimentalização da Escritura em dispensações distintas negligencia a unidade em Lei/Evangelho do Antigo e Novo Testamentos. Por exemplo, ela faz uma distinção radical entre o período da “lei” mosaica e a era da “graça” da Igreja. O relacionamento entre o Antigo e o Novo Testamentos é o de promessa e cumprimento, não de dispensações distintas.
6. Em última análise, a escatologia do dispensacionalismo oferece uma esperança perigosamente falsa. As visões de um arrebatamento pré-tribulacional ou mesotribulacional oferecem ao cristão a falsa esperança de não participar da perseguição intensificada perto do fim. Além disso, oferecem uma segunda chance de conversão para aqueles que são deixados após o arrebatamento. O foco da esperança na Escritura não é um reino terreno de 1000 anos, mas a eternidade com Cristo.
7. A visão dispensacionalista de uma quebra radical entre Israel e a Igreja contradiz o ensino escriturístico de que a cruz de Cristo eliminou para sempre a distinção entre judeu e gentio (Gl 3.28; Ef 2.11-22; Rm 2.25-29).
8. A Hermenêutica dispensacional do literalismo consistente é contrária aos princípios de interpretação derivados da Escritura (cf. seção um acima).
9. As múltiplas ressurreições e julgamentos do dispensacionalismo são contrários ao claro ensino da Escritura sobre a escatologia (cf. seção dois acima).
10. A segurança e esperança de salvação tendem a serem fundamentadas em uma interpretação dos sinais dos tempos, mais do que na segura Palavra da promessa concedida nos meios da graça.
11. Os sacramentos do Santo Batismo e da Ceia do Senhor, ambos importantes para um entendimento bíblico da escatologia, recebem pouca atenção no ensino dispensacionalista.


CONCLUSÃO

No presente estudo a Comissão de Teologia e Relações Eclesiais procurou avaliar abordagens contemporâneas à escatologia, à luz do que as Escrituras ensinam com respeito aos “tempos do fim” e aos pressupostos interpretativos para uma leitura fiel dos dados bíblicos. É também o desejo da Comissão que este relatório estimule um renovado interesse e estudo sobre o tema da escatologia. Mas, ainda mais importante, a Comissão espera que este relatório leve a uma reavaliação do lugar e importância da escatologia bíblica, não apenas na atividade de pregação e ensino da Igreja, mas também na vida pessoal de fé dos cristãos individuais, enquanto aguardam a “bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a Si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda a iniqüidade, e purificar para Si mesmo um povo exclusivamente Seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.13,14).
Tomado em sua totalidade, o ensino escriturístico sobre a escatologia prevenirá os cristãos de sucumbirem a dois extremos opostos que, desde os tempos apostólicos, têm sido uma ameaça constante à fé - de um lado, a preocupação febril com os “sinais dos tempos”; por outro, a frouxidão espiritual, baseada na noção errada de que a vinda de Cristo não é mais iminente. Nenhuma destas distorções da esperança escatológica, que é nossa através de Cristo, toma realmente a sério o significado daquela esperança para a vida no aqui e agora. Típica da articulação neo-testamentária da esperança cristã é a implicação tirada de que agora é o tempo para sermos “firmes e inabaláveis, e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão” (1 Co 15.58). E uma vida assim é para ser vivida com a consciência total de que hora é esta, “porque a nossa salvação está agora mais perto do que quando no princípio cremos” (Rm 13.11). Outra verdade que também é repetidamente ensinada por Cristo e pelos apóstolos é a de que a hora exata da vinda de Cristo permanece oculta no conselho secreto de Deus (Mt 24.36). A Igreja não deve, pois, engajar-se em especulações incertas no que tange aos sinais dos tempos. Antes, os cristãos devem devotar-se à proclamação clara da lei e do Evangelho, assim que as pessoas possam vir à fé em Jesus Cristo e, através de arrependimento diário, prepararem-se para Sua vinda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Google